30 de julho de 2014

Instinto Maternal 2.0

Estou com um notebook novo. Tenho bastante coisas para escrever sobre ele – ou melhor, sobre a experiência de usá-lo – mas uma delas precisa ser a primeira: o fato do notebook cismar que, de repente, ele é a minha mãe.

Foi no segundo ou terceiro dia. Fui abrir um vídeo no Youtube e o som estava baixo. O som do vídeo estava baixo – e o do Youtube já estava no máximo. Como qualquer pessoa, fui direto para o som do notebook.

Estava em 18.

Tentei aumentar e uma barra azul apareceu na minha frente, travando o computador. Na tela, a mensagem:


VOLUME ALTO PODE CAUSAR PERDA DE AUDIÇÃO.
Seus ouvidos são importantes. Aumentar o volume além deste ponto pode causar danos permanentes à audição.



E aí tinha um botão “Permitir” e outro “Não Permitir”. Procurei por um botão com a inscrição “Foda-se, isso é problema meu”, mas não encontrei, então cliquei no “Permitir”.

Quando ele fez isso, eu imaginei que fosse porque era a primeira vez que eu mexia no volume. Achei interessante até, como se fosse aquela primeira página do manual de jogos eletrônicos, que diz que “olhe, se você for epilético você só pode jogar vinte minutos por mês, senão você corre o risco de ter morte cerebral e virar um vegetal”. Você passa os olhos naquilo enquanto o jogo instala, vê o resto do manual e começa a jogar normalmente.

Mas não. Ele não faz isso na primeira vez que mexo no volume, ele faz isso todas as vezes que mexo no volume. Basta eu abrir a barra de volume e o notebook vem correndo da cozinha como se fosse minha mãe, enxugando as mãos no avental e me dizendo que:

– Abaixa isso! Seus ouvidos são importantes!

E eu fico como um idiota, tentando responder que “mas eu preciso ouvir o vídeo e está baixo”. Minha vontade é responder que “olhe, o seu cargo é notebook e o meu cargo é dono do notebook”, então eu faço o que quiser com meus ouvidos, mas ele fala de forma tão determinante que eu tenho medo de responder atravessado e levar um tapa.

Mas, ao menos, ele tem o botão “Permitir”, diferente de alguns programas que preferem usar o sadismo. Quantos textos eu não perdi na vida após o Word me dizer que “este programa executou uma operação ilegal e será fechado”. Ele não pergunta se pode fechar, ele comunica isso. Tudo o que você pode fazer é abaixar a bola e clicar em “fechar”, ou resolver contestar e clicar em “detalhes”, quando ele joga um monte de números que indicam a operação ilegal e que não fazem sentido nenhum – o que nos leva à primeira opção, que é clicar em fechar.

Mas mesmo com o botão “Permitir”, eu não gosto muito do fato do notebook se meter na minha vida desse jeito. Sem exageros, eu me sinto feito um pouco débil-mental.

– Você quer aumentar isso mesmo?

– Sim. Eu abri a barra de volume justamente para isso, e não porque eu queria ver o que era aquele alto-falante ali no canto.

– Não seja malcriado. Eu eduquei você melhor que isso.

– Ok. Desculpe. Sim, eu quero aumentar o volume.

– Os seus ouvidos são importantes. Você quer ficar surdo? E você vai ficar ouvindo aquele heavy metal horrível!

– Não. Eu quero ver um vídeo. E eu não estou conseguindo ouvir...

– Aliás, você não devia nem estar vendo vídeo nenhum. Você já fez sua lição?

– Hã?

– Você sabe o que acontece com crianças que não estudam? Repetem de ano! E nunca arrumam um emprego!

– Certo. Eu já fiz minha lição. Aliás, eu preciso ver o vídeo justamente para fazer minha lição. É uma entrevista. E eu não sou criança.

– Sei. No meu tempo, a gente não tinha vídeo nenhum. Fazia a lição em papel almaço. Hoje não, hoje é tudo mais fácil. Você fica aí vendo vídeos e escrevendo o dia inteiro. Mais nada. Aliás, você não acha que está na hora de desligar e ir dormir?

– Oi?

– Dormir tarde demais faz mal. O sono é importante!

– Certo.

– E frutas? Tem comido? Você parece estar abatido. Eu vou fazer um suco para você.

– Não. Esquece. Eu vou jantar.

– Carne de novo? Come um pouco de salada.

– Olha, eu não quero ser grosso, mas eu vou desligar você.

– Isso! Não dá valor mesmo! E me deixa aqui sozinho. Eu não me importo. Não tem problema.

– Depois eu volto.

– Eu janto sozinho. Sem conversar com ninguém. Tudo bem.

– Tchau.

– Qualquer coisa, me ligue avisando! E o tempo está virando, é melhor pegar um casac...

Desligo e vou no note de alguém ver o vídeo. Aí saio para almoçar e, quando volto, não posso nem comentar com ninguém o que almocei, porque o note pode estar ouvindo. E lendo minhas mensagens.

Porque meu notebook é como mãe: ele escuta com os olhos e enxerga com os ouvidos. Mesmo que eu tente mentir, ele sabe. Ele sempre sabe.


E tudo o que eu faço está errado.

4 comentários:

Unknown disse...

Nossa, papel almaço! Hahaha! Eu também usei isso!

Daniele Thièbaut disse...

Adorei

Priscila disse...

Pôxa, seu notebook dá uma dessas?

Meu celular (Sony), faz quase isso. Quando estou ouvindo música, do nada o som fica baixo e quando vou ver é porque o celular abaixou sozinho e ainda aparece uma mensagem: "Volume alto é prejudicial à audição" e só consigo aumentar o volume caso dê OK na caixa de aviso. Enxerido!

Gilmar Gomes disse...

"Tudo que eu faço é errado"... É, mãe é tudo igual mesmo... Mesmo que ela seja um Notebook.