Como eu deixei claro no post anterior, eu não entendo absolutamente nada de carnaval. E isso pode me colocar em situações difíceis nessa época do ano, já que todo brasileiro acha que todo brasileiro entende de carnaval – o que, se for verdade, me coloca na posição de “australiano passando férias no Brasil”. E, não, não é fácil manter uma conversa sobre esse assunto, como pretendo ilustrar no post abaixo.
Ontem eu fui até a Paulista e peguei um táxi para voltar para casa, por causa da chuva. Entrei no carro e expliquei que ia para Pinheiros. O taxista andou meio quarteirão em silêncio, até que soltou:
– E a Mocidade, hein?
Meu impulso foi responder que a mocidade não tem mais jeito, que essa geração é totalmente perdida, mas me contive. Alguns neurônios começaram a defender a idéia de que ele estava falando de carnaval. Fizeram uma reunião-relâmpago no meu cérebro e um dos neurônios conseguiu convencer os demais de que realmente o assunto era carnaval. A teoria foi provada quando mandaram o estagiário fuçar no arquivo morto do meu cérebro, onde ele descobriu indícios de que existe uma escola de samba com esse nome. Fizeram outro debate-relâmpago e chegaram a conclusão de que, na verdade, existem várias escolas de samba com esse nome, todas ligadas a palavras como Alegre, Feliz e Independente. Um dos neurônios mais idosos levantou a questão de que a expressão “Padre Miguel” estava ligada a uma dessas escolas. Mas não havia mais tempo para debate, o que deixou o neurônio enfurecido. Uma nova reunião foi marcada para esclarecer o assunto, mas foi decidido de que sim, o taxista estava falando sobre carnaval. Meus neurônios decidiram que o melhor seria ganhar tempo na conversa, e montar uma equipe de emergência que operaria diretamente da Sala de Guerra, até que a crise passasse.
– O que que tem?, respondi.
– Ganhou o carnaval.
Os neurônios se agitaram com a resposta. Um deles pegou um telefone vermelho, cuja linha é ligada diretamente ao escritório dos seus superiores, e balbuciou rapidamente um “o assunto realmente é carnaval, senhor!”. Os demais neurônios se dividiram, então, em três equipes: a primeira ficou encarregada de monitorar meus batimentos cardíacos e minha pressão arterial; a segunda teve como missão pesquisar tudo relacionado ao assunto, com prioridade para a apuração deste ano; o terceiro era formado pelo neurônio idoso, que ficou no meio da sala gritando que ele tinha razão, que ninguém ouvia ele e que a melhor saída era eu perguntar ao taxista se o nome Padre Miguel tem algo a ver com isso. O neurônio que havia falado no telefone chamou a segurança e pediu que o idoso fosse retirado da sala, e correu para o lado em que o grupo encarregado da pesquisa estava trabalhando, cada um em seu computador. Um dos neurônios mais jovens, com cabelos ruivos e o rosto coberto de espinhas, rapidamente fechou o site de pornografia que estava aberto em sua tela ao ver o supervisor se aproximando e abriu o Google, digitando “canarvl” de qualquer jeito, para fingir que estava procurando algo. Outro neurônio, aparentemente um pouco mais sério, levantou-se e explicou ao supervisor que não encontraram nada sobre o assunto, provavelmente porque ainda era muito recente. O máximo que haviam encontrado eram fotos do desfile e uma notícia sobre a dieta especial da Luma de Oliveira. O neurônio mais jovem fez uma anotação mental de procurar depois as fotos da Luma no desfile. Conversando rapidamente, os neurônios chegaram à conclusão de que a única saída seria usar o plano de contingência conhecido como “Nós apenas respondemos e deixamos a outra pessoa falar”. Foram correndo para o grupo que monitorava meus sinais vitais e, vendo que meus batimentos cardíacos estavam normais, decidiram seguir com o plano.
– Poxa, não estava sabendo.
– O resultado saiu agora, logo antes de você entrar no carro.
Senti um impulso enorme de perguntar se a expressão Padre Miguel tinha algo a ver com isso. Os neurônios perceberam isso e olharam ao redor. Aparentemente, o neurônio mais velho havia se livrado dos seguranças e voltado para a sala, onde estava em pé, mexendo em um dos computadores. Três neurônios pularam em sua direção e o jogaram no chão. Meus batimentos cardíacos aumentaram ligeiramente com a confusão. O neurônio cheio de espinhas, que continuava sentado em sua estação de trabalho, se assustou com o barulho e fechou a internet rapidamente, com medo de que alguém visse aquela mulata seminua na sua tela. O neurônio que comandava a operação exigiu que os seguranças encarcerassem o idoso em seu apartamento até que a crise passasse. Em seguida, pegou o telefone e pediu que liberassem um pouco de endorfina no meu cérebro, para trazer meus batimentos cardíacos de volta ao normal. Conforme minha pulsação abaixava, ele instruiu que a operação seguisse o plano anterior. “Deixem o taxista falar e não falem nada comprometedor!”, ele gritou.
– Mas foi merecido, certo?, eu disse.
O neurônio encarregado deu um soco na mesa e gritou um palavrão. Perguntar se foi merecido era um risco desnecessário, o taxista poderia acreditar que eu entendia do assunto. Este tipo de manobra só era aceitável em festas, quando a outra pessoa – que normalmente estava falando sobre esculturas ou bossa nova – estivesse bêbada o suficiente para não perceber o que eu havia dito. Mandou que todos ficassem em silêncio. O momento agora era decisivo. A conversa agora poderia mudar drasticamente, com o taxista entrando em assuntos como “ala das baianas”, “samba-enredo” e “desempenho da bateria”, o que levaria a situação para uma tragédia iminente e irreversível.
– Sim, o desfile deles foi sensacional. Gostei bastante, respondeu o taxista.
Todos os neurônios respiraram aliviados. Alguns aplaudiram, fazendo o neurônio espinhudo, que continuava do outro lado da sala, vendo algo na internet, e se virar para ver o que estava acontecendo. Foi quando o encarregado teve uma idéia. “Vamos deixar o Rob em silêncio. Liguem o modo de silêncio!”. Todos os neurônios olharam para ele. Um deles se levantou e disse que isso era mais arriscado ainda, pois o silêncio nunca funcionou direito. “O Rob sempre acaba falando algo, então é melhor que ele fale o que nós mandarmos”, gritou um deles.
(continua...)
19 comentários:
eu disse que a quarta-feira de cinzas é tensa. (apesar de isso ter acontecido na terça, ne...)
mas enfim, só um post na quarta-feira de cinzas pra me dar a possibilidade de ser o primeiro a comentar nisso aqui.
essa mocidade de hoje em dia, hem...
Aplausos!!!!
Esse vai ter que virar curta. Me candidato para direção de fotografia.
Realmente a Mocidade mereceu ser campeã! Eu torci, hahah
o q importa eh o grupo de acesso
pq ngm fala dele?
pavordecarnaval!
lady dari
Ahhh... sinceramente? Achei o enredo um pouco forçado. Não gostei nem um pouco dos carros alegóricos e nem das alegorias... sei lá, no todo me pareceu faltar harmonia... sem contar a mesmice de sempre!
hauhauhauhauhauhauhauhaua
anh? a mocidade ganhou?? mas foi a mocidade alegre...a de SP ne?? há séculos a Mocidade Independente de Padre Miguel (viu, como aquele neuronio estava certo?!) nao ganha nem aplauso... será que justo no ano que em eu nao liguei a mínima pra desfiles de escolas de samba do Rio, a gnt ganhou?!?!
sim. a gnt. eu torço pra Mocidade.. em SP nao torço pra ninguém.
e agora, com licença, vou ali no google ver isso...
ps: vc reparou que eu parei de reclamar (muito) quando vc esquarteja o post?
eh...como eu previ.. o taxista tava provavelmente falando da mocidade alegre... a minha mocidade, a do rio... ta laaaa embaixo na classificação, quase caindo ...er... pra segunda divisão(?) ... enfim... quase perdendo...
hmm ´so a título de informação inútil mesmo...
Eu não sei quem tem uma mente mais louca: você que escreve esses textos, ou eu, onde minha mente fica imaginando a reunião dos neurônios.
Adoro seus textos!
Bateu uma grande dúvida de qual Mocidade... (isso porque eu tava na sala quando ocorreu a apuração)
ah não, eu não quero procurar isso no Google!
Agora quero saber o que os neurônios do Rob fizeram. A conversa com taxista não importa muito.
P.S. Eu também fiquei na dúvida quando li "Mocidade", principalmente porque começa com maiuscula
Aqui os neurônios se recusam a interromper a greve geral, iniciada há 6 dias.
Agora, um assunto que merece sua apreciação é o critério da apuração. Pode haver algo mais ridículo? Qual a diferença entre uma escola 9,4 e uma 9,7 em alegorias e adereços???
Robs... descobri mais um ponto a favor do carnaval além do feriado e das passistas. A apuração é simplesmente maravilhosa para dormir. Ta certo que no início demora um pouco pra o sono chegar, até você entender direito como a bateria de uma escola de samba pode tirar 10 e a outra 9,75 (sendo que o barulho é o mesmo), mas depois é só alegria... "Quesito evolução (?)... jurado Jurandir Barbosa.... Unidos do Salgueiro de Vila Miguel... nota 10... Agremiação Mocidade do Peruche... nota 9,75... zzzzzzzzZZZZZZZZZZZZZZZZZ"
Depois da terceira nota o sono ja tomou conta... o máximo q pode sobrar é a lembrança de uma passista em algum sonho!
Muito bom! Extremamente robgordiano.
Eu normalmente dou tão pouca atenção ao Carnaval, que fiquei sabendo do resultado aqui pelo seu post. Se não fosse isso, perigava levar semanas até acidentalmente escutar sobre o resultado.
Só faltou a comissão de frente...
Meu amigo, desviando completamente do assunto em pauta, tenho de dividir, com você e nossos companheiros champistas, uma notícia que acabei de receber .
Lembra que eu disse que periga o Maiden pedir aposentadoria no ano que vem?
Pois agora eles podem fazer isso sem medo, porque existe alguém que vai manter a bandeira do metal firmemente fincada e flamulando no topo da montanha.
É só ler a seguinte notícia para chegar à mesma conclusão:
Influenciado por Pantera, 'criador do axé' grava disco de rock
Projeto de Luiz Caldas inclui duas caixas de discos com vários estilos.
Canções inéditas vão do samba a músicas gravadas em tupi.
http://g1.globo.com/Noticias/Musica/0,,MUL1009323-7085,00-INFLUENCIADO+POR+PANTERA+CRIADOR+DO+AXE+GRAVA+DISCO+DE+ROCK.html
Ufa! Agora posso dormir tranquilo...
P.S.: Para quem quiser (e ousar) escutar algumas pérolas, aí vai o link para o MySpace da figura (aconselho especialmente a música "Maldição"):
http://www.myspace.com/luizcaldas
Apenas um trecho do link enviado pelo Varotto:
"Segundo Caldas o projeto, que inclui discos de samba, forró, axé, mpb e até um álbum com letras em tupi, foi inspirado por George Harrison. “Quando George saiu dos Beatles, ele lançou um disco triplo, de tanto material que ele tinha acumulado. Eu não posso ficar atrás dele, né?”, desafia."
Ou seja, sua ambição é estar no mesmo nível do George Harrison. O hit do próximo carnaval deverá ser uma música chamada Lá Vem o Sol ou Alguma Coisa.
Que fase de merda.
Engraçado (trágico?) você ter citado esse trecho, porque foi o que mais me chamou a atenção mesmo.
Seguido de perto pela pérola:
"Além de já sonhar com o Grammy, Caldas quer fazer o projeto chegar a ídolos específicos: Quincy Jones (o produtor de “Thirller” (sic), de Michael Jackson); Bono, vocalista do U2; e o presidente dos EUA Barack Obama – “Quero dizer a Obama que sou o inventor da ‘new black music’ que é o axé, a música negra brasileira”. "
Voe meu pequeno pássaro! O céu é o limite para você, inventor da ‘new black music’...
Quequiéisso???
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