26 de agosto de 2022

Pimenta & Capu

 - PIMENTA! PIMENTA!

Eu estava em casa e me assustei com os gritos.

Sim, você pode achar que eu não devia ter me assustado. E, quer saber? Eu concordo com você. Afinal, eu moro em São Paulo.

E São Paulo é uma cidade onde qualquer coisa, de pano de prato a Playstation 5, de som de carro a bico de mangueira, é vendida na rua. Sabe aqueles anúncios que aparecem do nada no Instagram? São Paulo é assim. Você está ali sem fazer nada e de repente aparece um sujeito no seu portão vendendo lustres. São Paulo é um Instagram analógico.

Então, se você mora São Paulo e escuta alguém gritando “Pimenta” na rua, o que você imagina? Que tem alguém vendendo pimenta na rua, certo? Sim, esse pensamento faria sentido, se não fosse por um detalhe importante:

Eram mais ou menos quatro horas da manhã.

Eu estava dormindo e literalmente acordei com alguém gritando “Pimenta” embaixo da minha janela. E, apenas para referência, eu moro no primeiro andar. Então, se alguém grita Pimenta embaixo da minha janela, é como se essa pessoa estivesse em pé e parada ao lado da minha cama, tipo numa cena de Atividade Paranormal.

Bem, quando alguém grita a palavra “Pimenta” na sua janela às quatro da manhã, você tem duas alternativas. A primeira (e mais indicada) é tentar se convencer imediatamente de que aquilo foi um sonho, se esforçar para dormir e torcer para não lembrar disso no dia seguinte. A segunda, que não é exatamente aconselhável, é levantar e ir espiar pela janela.

Adivinhem qual eu fiz?

Sim, essa mesma. Eu me sentei na cama e pensei “puta que pariu, por que é sempre comigo?”...  E  talvez eu até tivesse me convencido a tentar dormir novamente, se não fosse pelo novo grito.

- PIMENTA! VEM AQUI!

Aí eu tive que levantar, porque o “vem aqui” mudou tudo. O “vem aqui” mostrou que não a pessoa embaixo da minha janela não estava simplesmente gritando “Pimenta”. Ele estava CHAMANDO uma pimenta. E atiçou minha curiosidade.

Afinal, quem chama uma pimenta?

Ou melhor: quem chama uma pimenta às quatro da manhã?

E, não podemos deixar de lado: por que é sempre comigo?

Então claro que Levantei e claro que abri a janela.

Mas não vi ninguém, a não ser um pequeno cachorro salsicha parado na calçada. Sim, o nome é dachshund, mas eu vou usar “cachorro salsicha” porque não quero ter que olhar no Google toda vez para ver como se escreve isso.

O salsicha olhou para mim. Eu olhei para o salsicha. Sim, tudo isso à quatro da manhã. Ficamos nos olhando por alguns instantes, até que reuni coragem e perguntei para o cachorro:

- Desculpa perguntar, mas... É você que está chamando uma pimenta?

O cachorro fez que não era com ele. Apenas virou a cara (como se eu não fosse sequer digno de uma resposta) mijou no portão do meu prédio (pensando bem, talvez essa seja a forma que ele encontrou de deixar clara sua opinião sobre minha pergunta) e saiu correndo pela calçada. Eu me esforcei para entender tudo de forma consciente e mais ou menos ordenada (eram quatro da manhã, lembra?), quando...

 - PIMENTA! VEM AQUI!

Ah. Aparentemente, Pimenta era o cachorro. Aparentemente, o dono dele está vindo. Aparentemente, o dono dele tem o hábito de passear com os cachorros de madrugada. E, aparentemente, gritando feito um anormal debaixo da minha janela.

Fiquei esperando para ver o autor dos gritos, mas tudo o que vi foi outro salsicha, que se aproximou do portão. Cheirou o mijo do Pimenta, mijou por cima e foi embora.

- CAPU!

Espera. Como assim, Capu?

Sabe, Pimenta eu (até) entendo. Mas... Capu?! Será que é de Capuleto? É tipo uma versão de Romeu e Julieta, feita com cachorros salsicha, mas a garota dos Capuleto se chama Pimenta para escapar dos direitos autorais? Será que a esta altura o Pimenta está na outra esquina, refletindo sobre a infelicidade do amor e declamando que “sou um joguete do destino”?

- CAPUCCINO! VOLTA AQUI!

Ah. É Capuccino.

Pimenta e Capuccino. Que dupla. Pimenta e Capuccino, às quatro da manhã.

Mas o mistério não estava resolvido. Eu já conhecia dois cachorros e sabia o nome deles, mas faltava descobrir

- CAPUCCINO!

Sim. Ele mesmo. O autor dos gritos.

E eis que ele aparece, virando a esquina. Mais ou menos 70 anos de idade. Bermuda, camiseta regata e uma sandália de couro que tinha uma idade parecida com a dele.

E outros dezenove cachorros salsicha andando ao seu redor. Lembra do Chiqueirinho, do Snoopy? Lembra que ele levantava uma nuvem de pó quando andava? O velho levantava uma pequena nuvem de cachorros salsicha.

Antes que o velho olhasse para mim e decidisse puxar papo (convenhamos que uma pessoa que andava pela rua gritando de madrugada é tipo um banner expansivo: ela só está esperando alguém passar o mouse para cima para começara falar com você, cobrindo a tela inteira sem fechar nunca mais) ou mandasse o seu exército de salsichas organizar um mijaço no portão do meu prédio, voltei para a cama.

E adormeci ouvindo os gritos de “PIMENTA, NÃO CORRE!” “CAPU, VOLTA AQUI!!”, “NOME DE OUTRO CACHORRO SALSICHA QUE REMETE À ALIMENTO E NÃO ENTENDI DIREITO! JUNTO!” cada vez mais longe.

Fim da história.

Ou não, porque, dia seguinte, quatro e pouco da manhã...

- CAPU!

Ô fase.

Abri a janela e lá estava o Flautista de Hamelin. Quer dizer, uma versão atualizada que decidiu que ratos não têm graça, então resolveu andar pelas ruas atraindo os cachorros salsicha da cidade inteira. Lá estava ele, o Pimenta, o Capuccino e a nuvem de cachorros salsicha. A turma toda. E eu ali na janela, tentando entender porque tem que ser sempre comigo.

E sabe o que é pior? É toda noite isso. Bate quatro da manhã e começa Pimenta pra cá, Capuccino pra lá... E eu ali, tentando dormir. Quer dizer, nem tento mais dormir. Agora eu não consigo pregar os olhos antes do Pimenta passar. Se não, não durmo. É como se estivesse faltando algo.

Mas... Por outro lado... Se olharmos para a história inteira, talvez seja justamente o oposto. Talvez não falte mais nada. Porque não demorou muito para eu descobrir que o velho e seu exército de salsichas mora na minha rua.

(Certo, aqui estou roubando um pouco, porque meu prédio e de esquina e tem dois portões: então, eu tenho duas ruas. O Velho mora em uma delas).

E eu sou da opinião que toda rua tem o direito inalienável de ter um velho ou uma velha. Veja bem, não estou falando de “pessoas idosas”, estou falando do velho. Ou melhor, Velho, com maiúscula mesmo, porque estamos falando quase de uma entidade. Manja, o Velho da Casa Monstro? É disso que estou falando.

E eu já tive alguns Velhos. Quer dizer, a rua onde eu cresci nunca teve um Velho mas, em compensação tivemos duas Velhas.

A primeira, que morava lá quando eu era do tamanho do Felipe e conheço apenas por histórias, era a Dona Iolanda, que chamava a polícia quando a molecada jogava bola na rua. A segunda – essa sim do meu tempo – era a Velha Louca. Aliás, a Velha Louca era tão Velha Louca que era conhecida como Velha Louca no bairro inteiro, o que ia desde os meus pais e os pais dos meus amigos até os funcionários do supermercado.

E não posso negar que, às vezes, eu sentia falta de ter um Velho na rua. Sabe? Aquele que você finge que não vê, mas olha com o canto dos olhos? Aquele que você sabe que a qualquer momento pode sair correndo atrás de você com uma barra de ferro na mão? (A Velha Louca fez isso com a gente, mas não foi em qualquer momento, e sim no momento seguinte a termos xingado ela pelo muro).

E agora eu tenho um Velho. Beleza, ele é acompanhado de gritos e vinte e cinco cachorros salsichas. Sim, se você somar o Pimenta, o Capu e a nuvem, dava 21. Mas como parece que ele tem um cachorro salsicha a cada noite que passa gritando, creio que já estamos nos 25. Talvez mais. Mas o ponto é que eu tenho um Velho.

E, claro, eu tenho 46 anos. Sou pai. Tudo o que quero, às quatro da manhã, é estar dormindo. Por outro lado, aquele moleque de 14 anos que ainda mora dentro de mim e não faz ideia de que o tempo passou fica o tempo cochichando na minha orelha que a coisa mais fácil do mundo é ir tocar a campainha do Velho e correr para dentro do meu prédio. Mas aí, claro, eu mando ele calar a boca.

Vamos ver no que isso vai dar.

3 comentários:

Elise disse...

"E outros dezenove cachorros salsicha andando ao seu redor. Lembra do Chiqueirinho, do Snoopy? Lembra que ele levantava uma nuvem de pó quando andava? O velho levantava uma pequena nuvem de cachorros salsicha." ~> Foi aqui que eu tossi uma risada e não parei mais hahahahahahhahahaha socorro xD

Cesar disse...

Eu já tô feliz de vc não ter xingado, hahahahaha!
4 e meia da manhã é castigo!

Juliana Canoura disse...

Ahh, que delícia voltar a te ler! Você não sabia a falta que fazia. ❤️