Faz alguns meses que começaram umas infiltrações aqui em
casa – e você pode ler sobre isso aqui.
Caso você acompanhe esse blog, deve imaginar que o problema
das infiltrações passou, porque eu não toquei mais no assunto. Bom, durante
alguns meses, achamos que elas realmente tinham parado.
Mas às vezes eu pensava sobre o assunto, especialmente sobre
o fato de que não havia nenhum motivo para elas terem parado. Só que, sempre
que isso acontecia, eu achava mais confortável ir até a cozinha, olhar o teto
durante alguns instantes e deduzir que “bom, deve ser alguma mágica, não vou
reclamar”.
Claro que eu estava me enganando. Porque elas não tinham
parado, e sim ido buscar reforços. Então, sim, as infiltrações da cozinha
passaram... Para a sala. Para um dos banheiros. Para o hall de entrada. Em
chuvas mais fortes, minha vontade era construir uma arca usando a madeira da
mesa sala e colocar um casal de bicho ali dentro.
Agora, o problema nem é o fato de que minha casa estava
inundando. Quer dizer, esse não era o único problema, porque eu também não
consigo levar o assunto a sério, por causa do nome. “Infiltração”, para mim, é
um termo de filmes de espionagem, e eu não consigo associar essa palavra para água
escorrendo pelas paredes.
Então, sempre que eu pensava no assunto – aliás, isso ainda acontece
– eu começava a imaginar uma gota de água vestida de preto, se arrastando pelo
telhado, na calada da noite, até encontrar uma telha meio solta. Aí, ela se
esgueirava para dentro da casa e falava em seu pequeno microfone.
– Ok, I’m in.
Nesse momento, em sua base secreta, o supervisor recebe a
mensagem de que a gota já está dentro do complexo inimigo, e esta informação vai
subindo a cadeia de comando até alguém se aproximar do presidente e informar
que “a primeira gota já se infiltrou na casa do Rob”. Assim, todos correm para
a sala de situação e acompanham toda a infiltração de goteiras na minha sala (provavelmente
gargalhando enquanto eu coloco baldes na sala).
Bom, chegou o momento de impedirmos essa operação de guerra
em casa, então falamos com a proprietária da casa, para ver se ela conseguia
indicar um especialista em contraespionagem. E ela indicou um homem.
– O Israel é ótimo, ele faz de tudo.
– Ele vasculha o telhado procurando câmeras e aparelhos de
escuta? Ele consegue reorganizar a segurança? Se precisarmos interrogar alguma
gota prisioneira, é ele mesmo quem faz?
– Do que você está falando?
– Desculpe. Eu não sei lidar direito com a palavra
infiltração. Esse Israel é bom?
– Sim. Confio plenamente nele.
– De quais missões ele já participou?
– Ele quem pintou minha casa. Ficou ótimo.
Não era o que eu esperava, mas teria que servir.
Assim, uns dias atrás o especialista apareceu em casa. E os
problemas começaram porque ele tocou a campainha logo cedo e eu ainda não havia
tomado café. Ou seja, meu HD cerebral ainda estava inicializando. Então, atendi
a porta sabendo apenas três coisas: 1) aquela pessoa não morava na minha casa;
2) ele estava ali para ver algo do telhado; 3) o nome dele era algum país do
Oriente Médio.
– O senhor é o seu Rob?
– Isso. E você é o senhor Iraqu... É... Você veio ver o
telhado, certo?
– Sim. Meu nome é Israel.
– Sim, sim, eu sabia disso. Estava esperando o senhor.
Abri o portão e ele entrou. Primeiro olhou toda a parte
interna da casa. Íamos andando enquanto eu indicava os pontos em que a
segurança precisava ser reforçada. Ou melhor, onde rolavam os vazamentos. Tudo
ia muito bem até a hora que ele decidiu subir no telhado.
– O senhor tem uma escada grande?
– Não. A escada que tenho não chega até o telhado.
– Certo.
E realmente, a escada aqui em casa mal dá para trocar
lâmpadas. Ou, pelo menos, é o que eu acredito, já que não troco lâmpada nenhuma
porque tenho medo de altura. Mas como eu sempre me ofereço como voluntário para
o cargo de “segurar a escada” enquanto a Esposa faz a troca, sei que ela é bem
baixa.
Aparentemente, isso não foi empecilho para o sujeito. Ele
pediu a escada mesmo assim, e usou para subir no muro. Do muro, foi para o
telhado do vizinho, do telhado do vizinho para o meu telhado. Tudo isso como se
fosse a coisa mais normal do mundo.
Assim, o sujeito começou a andar pelo telhado com a
naturalidade de alguém que está indo até a cozinha da própria casa pegar água.
Sério, nem mesmo o Coronel Telhada (esse é o nome que eu dei para o gato quemora aqui no telhado de casa), faria melhor.
Aliás, isso poderia me criar um problema. Porque eu já cuido
de um gato que mora no telhado, e o Faz Tudo com Nome de País do Oriente Médio
parecia bem à vontade andando no meu telhado. Ele estava visivelmente no seu
elemento. E tudo o que eu não precisava é que ele gostasse do lugar e começasse
a morar ali, e eu tivesse que cuidar dele também. O que diabos um Faz Tudo
come? Será que ele e o Telhada vão começar a brigar?
Era sobre isso que eu estava pensando quando vi uma das
coisas mais impressionantes da minha vida. O sujeito arrancou duas telhas do
telhado, deixando um buraco de mais ou menos uns cinquenta centímetros de
largura e... E sumiu.
Não estou exagerando. Ele mergulhou para dentro do telhado e
desapareceu ali. Certeza que se alguém mandasse esse sujeito fazer um teste
vocacional, os resultados seriam 50% ilusionista, 50% ninja.
Eu ainda estava tentando entender como ele tinha feito
aquilo, quando o sujeito reapareceu no telhado. Olhou para mim, desceu para o
telhado do vizinho, do telhado do vizinho para o muro, do muro para o chão. Eu
pensei em pegar um pouco de ração do Telhada e oferecer a ele, me explicando
que “é só o que eu tenho hoje, mas se você tiver algum pedido especial, eu
posso tentar arrumar”, mas ele foi mais rápido e começou a falar.
– Vai ter que trocar tudo menos as telhas.
Certo. Tudo menos as telhas. O problema é que todo o meu
conhecimento de telhados se resume às casinhas que eu desenhava quando criança.
Ou seja, na minha cabeça, um telhado é um organismo composto por: telhas.
Talvez uma chaminé – toda casa de desenho de criança tem uma chaminé, mas
acredito que isso seja opcional no mundo dos telhados. Então, tentei fazer a pergunta
da forma menos estúpida que eu consegui.
– O que é tudo menos as telhas?
– Tudo.
– Certo. Vamos tentar de outro jeito. O que precisa trocar?
– As ripas e os rufos.
Eu sabia o que eram ripas. Mas rufos...
– Rufus não é o cachorro do Dennis, o Pimentinha?
Existem momentos que são determinantes na forma que a gente
se relaciona com outras pessoas. São instantes aparentemente insignificantes,
que fazem com que a outra pessoa admire você pelo resto da vida, seguindo seus
passos para dentro de batalhas impossíveis e o chamando de líder.
Mas por outro lado, existem momentos em que a outra pessoa
percebe que você é um idiota e nada irá mudar isso. E, pelo olhar do sujeito, eu
e ele estávamos vivendo um desses momentos mágicos. Qualquer respeito que aquele
cara pudesse ter sobre mim escorreu pelo ralo. Tudo o que me restava era tirar
meu time de campo.
– Olha, minha Esposa é arquiteta, é melhor você falar com
ela. Porque eu... Bem, eu só moro aqui, sabe? Acho que será melhor se eu... Eu
vou chamar um adulto para conversar com você, acho que é melhor.
Assim, ele e a Esposa discutiram todo o processo de trocas
das ripas e rufos.
E eu fiquei no meu canto, imaginando o sistema de segurança
que o ninja ilusionista vai instalar na minha casa para impedir a infiltração
de gotas de água inimigas. E torcendo para que ele deixe brincar com as câmeras
de segurança.
Essa reforma promete.
4 comentários:
Simplesmente fantástico. Sua capacidade de transformar um ato banal e cotidiano "lidar com uma goteira" em uma historia envolvente, humorada e perfeita para se relaxar no meio de tanta briga de torcida. Um dia espero conseguir escrever igual a você. Obrigado pela crônica. Melhorou bastante o meu dia.
Eu ri alto na parte de oferecer a ração do Coronel Talhada hahahaha
Tem também o Rufus, o lenhador. Ele deve entender de ripas.
Me diverti bastante com com a leitura.
Obrigado
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