Começou num dia como qualquer outro, porque é normalmente
assim que as histórias fantásticas começam: quando ninguém está esperando por
elas.
Era um sábado e eu estava sozinho em casa, trabalhando,
quando os cachorros começaram a latir. Até aí, nada demais. Existe uma complexa
rede de informações entre os animais dessa casa que funciona unicamente com o
objetivo de não me deixar trabalhar. Basta eu abrir o computador para que um
gato faça um sinal para o outro que corre até o quarto e faz sinal para um terceiro
que vai até a janela e avisa os cães que eles podem começar a latir
alucinadamente.
Normalmente, eu consigo resolver o problema indo até a
cozinha e gritando para eles pararem. Foi o que eu fiz. Mas, quando voltei ao
computador, vi que não havia adiantado nada. Na verdade, eles estavam latindo
tanto que provavelmente nem me ouviram. Esperei alguns minutos e eles
continuaram latindo.
Irritado, atravessei a casa novamente e fui até o quintal do
fundo. Foi quando eu dei de cara com o Objeto. Era um enorme cubo colorido, completamente
oco e com saídas circulares em cada um dos lados. E estava pousado no meu
quintal.
Afastei os cachorros, que corriam ao redor do estranho cubo
latindo freneticamente, e observei o Objeto de perto.
Nessas horas eu adoraria ser o Carl Sagan. Tenho certeza que
ele teria se ajoelhado ao lado do Objeto e dito, de forma amistosa, algo como
“sejam bem vindos ao pálido ponto azul”. Imediatamente, alienígenas deixariam a
nave e colocariam os pés no nosso planeta pela primeira vez.
Começaria assim uma nova etapa na história humana, com eles
nos ensinando mais sobre tecnologia em meses do que poderíamos aprender
sozinhos em décadas. Doenças seriam curadas. A fome seria erradicada. A
humanidade deixaria de lado suas desavenças internas e começaria a explorar a
galáxia, descobrindo ser parte de uma comunidade imensa e variada, repleta de
espécies diferentes, cada uma com a sua cultura.
Mas eu não sou o Carl Sagan, sou apenas o Rob Gordon. Então,
observando o Objeto de perto, eu não dei as boas vindas e iniciei um
relacionamento amistoso com outra espécie. Não, tudo o que eu fiz foi resmungar
que “por que essas coisas sempre acontecem comigo? Eu tenho um texto para
entregar ainda hoje, não tenho tempo para isso” e mandei os cachorros calarem a
boca.
E, como toda criatura não desenvolvida, olhei para o céu, na
esperança de encontrar alguma pista da origem do Objeto. Mas imediatamente
percebi que se os donos daquilo estivessem me observando de alguma outra nave,
eles poderiam achar que eu sou uma criatura que mal saiu da pré-história, e
estava procurando algum indício da existência de deuses que explicasse aquele
estranho acontecimento.
Aliás, talvez fosse exatamente isso que os donos do Objeto
pensavam de mim. Aquilo não era uma nave espacial, mas sim uma sonda, como
monólito de 2001. Algo que iria causar uma reação em cadeia e alavancar toda a
evolução da nossa espécie, impulsionada por uma misteriosa raça alienígena, até
que um dia um humano iria se aproximar de outro cubo desses e finalmente olhar
para dentro dele, constatando que “meu Deus, está cheio de estrelas”, e então
ele viraria um bebê-planeta e pronto, fim da história.
Ou não. Porque, convenhamos, o negócio não tinha exatamente
o perfil disso. O monólito de 2001 era sério, completamente negro e respeitoso.
Era evidente que aquilo havia sido construído por uma espécie elegante e
refinada. Já o meu monólito tinha mais cores que o bom gosto recomendava e elas
não combinavam entre si.
Talvez os alienígenas que construíram aquilo fossem daltônicos.
Ou talvez fosse uma nave infantil... Sim, uma nave trazendo uma criança que
seria o único sobrevivente de um planeta condenado. Ele seria criado por mim e
desenvolveria poderes graças ao nosso Sol amarelo.
A ideia me pareceu atraente. Eu não veria problema nenhum em
criar um filho alienígena e extremamente poderoso. Ensinaria o garoto a usar
suas habilidades para combater o crime, mas enquanto isso você pode começar a
fazer o bem usando seus poderes para trocar a resistência do chuveiro e fechar
completamente aquela torneira do quintal que fica sempre pingando, é um
inferno.
Além disso, eu teria uma nave com a voz do Marlon Brando. Se
eu conseguisse ensiná-la a falar algumas frases de O Poderoso Chefão, ela se
tornaria meu brinquedo preferido.
Olhei novamente para o Objeto, estudando-o mais de perto,
mas percebi que não havia nem sinal de cristais lá dentro, muito menos uma
caixa acústica por onde a voz do Marlon Brando sairia. Mas percebi que ele não
parecia ser feito de um material resistente o suficiente para viajar pelo
espaço.
Por outro lado, eu não sou exatamente um especialista em
engenharia espacial e ligas metálicas alienígenas. E isso não é exatamente
culpa minha. Se os extraterrestres quisessem fazer contato com alguém que
entendesse desse assunto, que não caíssem na casa de alguém que fez o primeiro
colegial durante três anos, recebendo tantas notas vermelhas em matérias de
exatas, com boletins que fariam brilhar os olhos dos editores do Livro
Guinness.
Estiquei o braço e toquei o negócio, apenas para descobrir
que ele era feito de nylon. Mas o que me chamou atenção nesse minuto não foi
exatamente seu material e sim que ele me parecia estranhamente familiar. Eu já
havia visto aquilo em outro lugar.
Voltei para dentro de casa e comecei a estudar minha coleção
de filmes. Eu tinha certeza que a resposta estava ali... Na verdade, era como
se eu não guiasse meus passos, e o Objeto estivesse me levando até ali. Onde eu
havia visto aquele negócio?
Com o pensamento me atormentando, peguei um cigarro e voltei
ao quintal, apenas para descobrir que o Objeto tinha uma mancha em um dos
lados. Uma mancha que não estava ali antes, com um líquido que saía de uma das
laterais e escorria pelo chão. Ácido, talvez?
Não. Era pior. Um dos cachorros decidiu que era o momento de
mostrar que ali era o seu planeta e resolveu marcar seu território.
Perfeito. Faz séculos que a humanidade espera por uma prova
da existência de vida em outro planeta, e quando isso acontece, meu cachorro
mija em cima do negócio. Certeza que em mil anos as enciclopédias galácticas
mencionariam o Objeto como o motivo pelo qual aquele pequeno planeta azul do
Sistema Solar ganhou o apelido de Favela na comunidade intergaláctica.
Afastei os cachorros e continuei observando o Objeto,
tentando descobrir onde eu havia visto aquilo antes, mas a resposta parecia
escapar sempre que chegava perto da minha consciência. Assim, eu decidi que a
melhor coisa era fazer contato. Aproximei meu rosto do objeto e cantei
baixinho:
– Tam-tam-tam... TAM-TAM!
Nada. Risquei Contatos Imediatos do Terceiro Grau da minha
lista. Busquei mais uma frase na minha cabeça:
– Nave Tydirium, qual sua carga e destino?
Silêncio. O Retorno de Jedi também não funcionou. Então,
resolvi pegar pesado. Respirei fundo e coloquei o máximo de autoridade na minha
voz. Não era apenas autoridade, mas sim autoridade com uma pitada de
arrogância.
– Aqui é o Capitão James Kirk, da Federação dos Planetas
Unidos. Por favor, diga quais são suas intenç...
No meio da frase, a resposta pulou na minha mente. Era isso!
Eu finalmente sabia onde havia visto aquilo. Era em Jornada nas Estrelas. Mas
não era um Cubo Borg... A não ser, claro, que os borgs tivessem assimilado sem
querer o Romero Britto e incorporado suas pinturas à Coletividade. Ou seja:
chupa, Borg.
Mas não era isso... Era algo da Série Clássica. Algo colorido...
De repente,
tudo ficou claro! Era uma das boias espaciais do episódio A Manobra Corbomite.
Como eu não havia percebido isso antes? Qual era mesmo o nome do alienígena
bebê horroroso? Balok?
Agora mais confiante, olhei para um dos cachorros e
declarei:
– O jogo não é xadrez, Sr. Spock. O jogo é pôquer.
O cachorro me olhou como se eu fosse um imbecil, mas não dei
atenção. Me aproximei novamente do Objeto.
– Balok, você sabe que nossas naves são feitas com uma
substância chamada Corbomite e que qualquer ataque é retornado com força ainda
maior. Acho que você gostaria de saber que nas últimas décadas, nos aprimoramos
ainda mais essa tecnologia, então eu aconselho você a não tentar nada.
Não tive resposta. Pelo menos, não a resposta que eu
esperava. Subitamente, um enorme vento começou do nada, fazendo voar os jornais
dos cachorros e quase derrubando os vasos. Olhei para o alto esperando ver a nave
de Balok sobrevoando minha casa, mas não havia nada no céu. Apenas nuvens
anunciando uma forte tempestade.
De repente, ouvi barulhos de coisas caindo. Mas não era na
minha casa, e sim no vizinho. O muro que separa nossas casas é alto, mas a
deles tem uma área que fica exatamente na altura do muro. É ali que eles fazem
churrasco e guardam...
Os brinquedos das crianças.
Era isso. Não era em Jornada nas Estrelas que eu havia o
Objeto. Minha carreira de capitão da Federação havia terminado. Levei o negócio
para dentro da cozinha, saí de casa e toquei na casa ao lado. A vizinha atendeu
e me deu boa tarde.
– Por acaso seus filhos tem uma cabaninha quadrada, toda
colorida? Com buracos nas laterais?
– Sim. Como você sabe?
– Ela caiu no meu quintal por causa do vento. Eu vou ali
pegar.
E ainda tive que limpar o mijo do cachorro do negócio. Ô
fase.
6 comentários:
Evidente que o autor desse texto é um doente.
"ô fase..." kkkkkk
"...eles nos ensinando mais sobre tecnologia em meses do que poderíamos aprender sozinhos em um ano."
Modesto, não?
Desde as primeiras linhas eu estava esperando chegar em Star Trek :)
"Talvez os alienígenas que construíram aquilo fossem daltônicos."
Você sabe que vai apanhar por causa dessa frase né?
Varotto:
Putz, isso passou batido aqui. Já arrumei. :)
Abraços
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