De repente, eu olhei para o lado e percebi que já havia
visto aquilo em algum lugar. O cenário... A frase... Era tudo muito familiar,
mas não era nada que eu tinha vivido antes. Mas eu já tinha visto aquilo
antes... Um filme! Eu estava dentro de uma cena de um filme!
Isso já aconteceu com você alguma vez? Você olha ao redor e
descobre que, de alguma forma, está vivendo uma versão distorcida de uma cena
que está guardada em seu cérebro. Comigo aconteceu mais de uma vez. A mais
recente foi sexta-feira.
Tive uma reunião no Itaim, no final da tarde. Decidido a ir
e voltar de táxi, eu fucei na carteira e vi que tinha por volta de quarenta
reais, o que daria para apenas uma corrida. Mas tudo estava sob controle: eu
podia pegar o táxi, pagar com dinheiro e, depois da reunião, tomar um café e
sacar dinheiro que é uma das coisas mais fáceis de fazer quando você está no Itaim.
Sim, eu sei que eu poderia usar o Easy Taxi para chamar um
táxi que aceita cartão, mas acontece que eu tenho alguns problemas com
tecnologia. E não porque eu sou velho e tenho medo de novidades tecnológicas,
mas sim porque sou cliente da TIM, então tenho medo de qualquer tecnologia que
dependa de 3G. Para mim, ainda é mais fácil sacar dinheiro e pegar um táxi no
ponto do que ter que subir em um poste e ficar com o braço levantado para sinal
e chamar um táxi pelo celular.
Na ida, deu tudo certo. Na reunião, também. Mas aí o
problema começou quando saí da reunião. Andei dois quarteirões e cheguei ao
banco 24 horas que eu tinha em mente.
Não gosto muito de caixas eletrônicos. Acho que eles têm uma
burocracia ridícula e exagerada. Os bancos dizem que aquilo tudo é para nossa
segurança, mas sempre que uso aquilo tenho a impressão que estou usando um
daqueles brinquedos feitos para avaliar a coordenação motora de crianças.
Insira o cartão. Retire o cartão. Digite sua senha. Diga o
que você quer. Insira o cartão. Digite sua senha. Retire o cartão. Coloque o
dedo no leitor ótico. Insira o cartão. Retire o cartão. Levante a perna
esquerda. Ainda com ela no ar, insira o cartão. Abaixe a perna e digite sua
senha. Aponte para o Norte e retire o cartão. Digite sua senha. Dê duas voltas
sobre você mesmo gritando seu nome.
Toda vez que uso o caixa eletrônico, tenho certeza de que
estou sendo filmado, e novamente não por motivo de segurança, mas sim para o
pessoal do banco dar gargalhadas enquanto assistem ao gordinho careca fazendo
uma dancinha ou imitando uma galinha no meio da rua para conseguir pegar
quarenta reais. É humilhante demais.
Entretanto, desta vez não tive que fazer nada disso, já que
o procedimento foi abreviado. Insira o cartão. Retire o cartão. Digite sua
senha. Diga o que você quer.
“Este terminal não está fazendo saques e agora você está em
outro bairro com dois reais no bolso. Que beleza, hein? Tenha um bom dia!”
Chutei a máquina e fui embora. Agora, eu tinha três
alternativas:
1 – Voltar a pé.
2 – Entrar na internet e procurar um banco 24 horas.
3 – Entrar na internet e chamar um táxi.
2 – Entrar na internet e procurar um banco 24 horas.
3 – Entrar na internet e chamar um táxi.
Ou seja, minha situação não era boa, já que eu tinha que
escolher entre bancar o Lawrence da Arábia e atravessar três ou quatro bairros
a pé ou usar o 3G da TIM. Por motivos óbvios (39 anos de idade) resolvi
arriscar o 3G e chamar um táxi. Peguei o celular do bolso e fui andando pela
rua, até descobrir que, trinta centímetros ao lado de um bueiro, o sinal pegava
– o que me leva a pensar se o sinal da Tim não pega melhor no esgoto. Bastava
eu dar um passo para qualquer lado e o sinal desaparecia.
Assim, tomando cuidado para não fazer movimentos bruscos,
abri o Easy Taxi e chamei um carro. O mapa apareceu mostrando que o taxista
estava a três quarteirões e o tempo de espera seria dois minutos.
O carro andou. Parou. Andou. Parou. E nunca mais andou.
Virei o corpo na direção do bueiro e ele voltou a andar. E Parou. Três minutos
depois, recebo uma mensagem do taxista:
“Já estou a caminho!”.
Certo. Olho para o mapa. O táxi está na mesma rua que eu.
Andou. Parou. Andou. Parou. Parou... E desapareceu do mapa.
“O taxista sofreu um imprevisto e não pode completar sua
corrida”.
Olhei indignado para o celular e para a rua e para o celular
de novo – tudo isso sem poder me mexer ou dar as costas para o bueiro. Como
assim um imprevisto? Ele estava a cinquenta metros de mim, que tipo de
imprevisto? Um meteoro caiu no carro? O Godzilla emergiu das águas do Rio
Pinheiros e decidiu que precisava ir até o Itaim, destruindo tudo em seu
caminho, para pegar o meu táxi e arremessá-lo em Jundiaí?
“Deseja chamar outro táxi?”
Sim, é evidente que sim. Não é porque meu taxista caiu num
portal que o levou à outra dimensão quando estava prestes a me encontrar que eu
não preciso mais voltar para casa. Sim, desejo chamar outro carro. Sim, estou
no mesmo lugar. Sim, a referência é a mesma. Sim, vou pagar com cartão.
Recebo a notícia que um novo carro está a caminho. É um táxi
que está a dois quarteirões de mim. Parado. Parado. Parado. Parado. Parado.
Parado.
Comecei a ficar enlouquecido. Minha vontade era andar os
dois quarteirões a pé, dar um tapa na cabeça do motorista e falar que “Dá para
ir logo até ali, onde estou esperando? Vai ligando essa merda aí e me encontra
lá onde você acha que eu estou. Vai ser fácil de me achar agora que você sabe
como é a minha cara”.
Andou. Andou. Andou. Andou. Andou. Andou. Andou.
E passou por mim. Com uma passageira – uma mulher de uns
cinquenta anos e cara de azeda – no banco de trás.
Meu impulso foi procurar por uma pedra e jogar na cabeça do
taxista. Uma fração de segundos depois, me lembrei de que não deve ser muito
comum achar pedras no Itaim, então decidi que jogaria o celular mesmo. Com
sorte, acertaria com a quina na têmpora. Mas aí me lembrei que o aparelho é
novo e mudei de ideia – se fosse meu antigo Galaxy S2, o taxista teria passado
a noite no hospital.
Assim, respirei fundo e peguei meu celular novamente.
Imediatamente, cancelei a corrida.
“Cancelar a corrida pode prejudicar nossos taxistas. Você
quer mesmo fazer isso?”
Sim, quero. Quero prejudicar esse taxista pelo resto da vida
dele. Quero cancelar a corrida, fazer com que o Uber monte sua sede na frente
do ponto onde ele trabalha. Quero que o carro dele exploda em uma manhã e,
quando ele entrar em casa para procurar os papeis do seguro, vai me encontrar usando
uma peruca da Glenn Close e cozinhando o coelhinho da sua filha.
Cancelei a corrida socando o celular e chamei outro táxi –
sim, tudo isso sem sair de perto do bueiro.
Andou. Parou. Andou. Parou. Andou.
E parou ao meu lado. Entrei disposto a começar a resmungar,
mas assim que olhei para o taxista, eu percebi que ele se parecia muito com
alguém. Ele tinha cara de alemão, era gordo e completamente careca. Ele era a
cara de uma versão careca de alguém. Se eu conseguisse imaginá-lo com cabelo,
talvez eu descobrisse com quem ele era parecido.
Nesse momento, as luzes do meu cérebro se apagaram. Era como
se uma enorme escuridão tivesse assolado meus pensamentos.
– Para onde o se-se-sesenhor vai?
Gago. Um taxista gago. O Easy Taxi fez isso de propósito, e
fodeu com minhas corridas até me jogar na mão de um gago. Mas eu não me
importei com isso, naquela hora. Eu precisava saber com quem aquele cara se
parecia.
Foi quando um facho de luz branca se acendeu no meu cérebro.
Agora, tudo estava escuro, menos este pedaço iluminado, que mostrava um
pedestal e um microfone sobre um palco.
Meu Deus, com quem esse cara parece?
– Vila Mariana.
– O senhor tem algum ca-ca-caminho de prefe-fe-ferência?
Lentamente, um neurônio veio caminhando na direção do
microfone. O neurônio usava um vestido dourado, de lantejoulas.
– Olha, acho que podemos ir pela Sena Madureira.
– Certo. Então eu vou su-su-subir por essa a-a-a-aqui...
Eu parei de ouvir, pois o neurônio se aproximou do
microfone, ergueu os braços, ressaltando suas curvas com o vestido dourado, e
gritou:
– GOOOOOOLDFINGEEEEER!!!!
– E vou cair ali na San-Santo Amaro...
– HE’S THE MAN... THE
MAN WITH THE MIDAS... TOUCH!
Segurei a risada e abaixei o volume da música no meu cérebro.
Outros neurônios pediram para eu perguntar algo como “ah, Goldfinger, você
também vai almoçar na Casa Branca?”, mas como o taxista poderia responder que
“não, Mr. Gordon, eu espero que você morra!”, achei melhor não falar nada.
Assim, decidi escolhi que iria usar o Goldfinger careca para reclamar dos
outros taxistas.
– Você é o terceiro táxi que eu chamei.
– Como assim?
– O primeiro cancelou a corrida e o segundo pegou outro
passageiro.
– Mas às vezes a gente pe-pega outro
passa-passa-passa-passageiro sem querer.
– Como assim?
– Você é cha-cha-chamado para pegar um passageiro na rua tal
e vo-você vai. Ba-ba-bum.
Ok. O Goldfinger careca não é gago. Ele é gago e tem um
tique nervoso que se manifesta num vício de linguagem.
– Oi?
– Aí você chega lá e tem outr-tra pessoa espe-perando o táxi
e ela entra no carro. Ba-ba-bum.
– Baba o quê?
– Aí, aque-quele que chamou o carro fi-fica lá. Ba-ba-bum.
– Olha, acho difícil que isso tenha acontecido. A não ser
que ele tenha me confundido com uma mulher de cinquenta e poucos anos.
– Ah, então deve ter sido de saca-saca-saca...
– Sacanagem?
– Ba-ba-bum.
E foi quando eu percebi que estava dentro de uma cena de um
filme. E não, não era de 007 Contra Goldfinger. Era uma ficção científica:
afinal, eu estava dentro de um táxi com uma pessoa que ficava falando Badabum o
tempo inteiro. Sim, eu estava em uma versão distorcida de o Quinto Elemento.
E sim, eu sei que a pessoa ao meu lado estava longe de ser a
Mila Jojovich usando pouca roupa. Na verdade, tudo o que eu conseguia pensar ao
olhar para ele era que os vilões de 007 haviam dado uma festa a fantasia e o
Goldfinger, com preguiça de escolher uma fantasia bacana, apenas raspou a
cabeça e disse que “estou fantasia de vo-vovocalista do Parala-lamas do
Su-sucesso, ba-ba-bum”.
Mas quem não tem Mila caça com Goldfinger careca mesmo.
Assim, dei meu melhor sorriso Bruce Willis e olhei para ele.
– Yeah. Badabum.
Ele olhou para mim com cara de interrogação e eu completei:
– Big Badabum.
Passei o resto da viagem tentando encontrar uma maneira de
usar a expressão Multipass na conversa, mas não consegui. Aliás, antes da
metade do caminho eu já estava até to-tonto. Primeiro, porque ele era gago,
segundo porque ele falava ba-ba-bum e terceiro porque ele não parava de falar.
Polí-lítica. Ba-ba-bum. Esporte. Ba-ba-bum. Pessoa do ca-carro do lado.
Ba-ba-bum.
Chegou uma hora que eu fechei os olhos e reparei que o
neurônio vestido de Shirley Bassey ainda estava cantando. Então aproveitei e
aumentei um pouco o volume.
– IT’S THE KISS OF DEATH... FROM MISTER...
GOOOOOOOOOOOOOOLDFINGEEEEER!
E fui ouvindo a música até em casa, pegando apenas um ou outro ba-ba-bum da conversa.
E fui ouvindo a música até em casa, pegando apenas um ou outro ba-ba-bum da conversa.
Eu não tenho coragem de usar o Uber, mas sempre ouvi falar que o 99 Taxis é melhor do que o Easy.
ResponderExcluirImagina o gago respondendo que o nome dele é Leeloo Minai Lekarariba-Laminai-Tchai Ekbat De Sebat. Ia dar tempo de chegar aqui no Rio até ele acabar.
ResponderExcluirOu:
ResponderExcluirvocê: Cara, acho que você escolheu um caminho muito barra pesada.
ele: Me fifth element - supreme being. Me protect you.