Existe algum momento em que você fica adulto de verdade?
Acho que toda criança pensa nisso. Eu, pelo menos, pensava
sobre isso. Imaginava que, em algum momento da minha vida, eu viraria adulto,
como que num passe de mágica. Ou melhor, mais ou menos como os índios daquelas
tribos que atravessam aquele ritual de passagem, onde saem de casa meninos,
fazem uma, duas ou três coisas e são reconhecidos como adultos.
Nunca aconteceu comigo. Nunca precisei escalar a árvore mais
alta, nunca tive que atravessar um rio a nado, nunca fui obrigado a matar o urso
mais feroz da floresta. O mais perto que cheguei disso foi subir em uma árvore
ao lado da padaria dos meus pais para pegar um balão que havia caído ali – um balão
daqueles que as pessoas vêm de carro pegar – algo que dificilmente me
classificaria como adulto. Na verdade, como eu tenho medo de altura e só
percebi que a árvore era alta demais quando eu já estava nos últimos galhos, minha
aventura provavelmente faria com que eu fosse reconhecido como um boçal.
Então, quando eu paro para pensar, não consigo em momento
algum imaginar o dia que eu virei adulto. E isso vale para todos os assuntos.
Bebida? Quando eu criança, achava que beber cerveja era coisa de adulto. Mas bebi
cerveja e ainda era moleque, então entendi que para ser adulto precisaria beber
uísque ou algo destilado. Mas bebi também e nada mudou, a não ser o fato de que
descobri minha bebida preferida.
Mulheres? O raciocínio foi parecido, basta trocar a cerveja
por beijo (porque quando eu tinha 13 anos um beijo era tudo o que eu queria), e
o uísque por sexo (porque quando eu tinha 16 anos, só um beijo era tudo o que
eu não queria). Fiz tudo isso e voltei para casa me perguntando quando será que
eu viraria adulto.
E isso pensando apenas em sexo – já em relacionamentos, fiz
de tudo também. Me apaixonei, me apaixonei por pessoas erradas, me apaixonei
para sempre (mais de uma vez). Respeitei, menti, traí, perdoei. Fiz loucura,
fiz bobagem, fiz o certo e o errado. Tudo coisa de adulto? Com oito, nove anos
de idade eu acharia que sim. Com oito ou nove anos de idade eu tinha certeza
que casar era coisa de adulto. E hoje estou casado.
Profissionalmente eu fiz muitas coisas de adulto. Varei noite
trabalhando, briguei, ensinei, aprendi. Trabalhei até a exaustão, saí na chuva
para resolver coisas que não eram minha obrigação, mas tive que dar exemplo.
Fui subalterno, fui chefe, fui chefe de mim mesmo. Trinta anos atrás, eu olharia
para o meu futuro e pensaria: “coisa de adulto”.
Amigos? Mesma coisa. Dia desses encontrei um grande amigo
que não via há anos. Quando ele entrou em casa, dei-lhe um abraço que não foi
de “seja bem vindo”, e sim de “porra, quanto tempo passou”. É aquele abraço de ainda
estamos aqui, mas sim, o tempo passou. Quando eu era criança, eu acharia que
ficar tempo demais sem ver os amigos talvez fosse coisa de adulto, porque
adulto está sempre ocupado e nunca tem tempo para o que é importante.
Hoje, à beira dos quarenta, eu olho tudo isso e penso “não é
coisa de adulto, é apenas... O que eu faço. O que eu sou”.
Sim, estou à beira dos quarenta. E até pouco tempo atrás eu
estava pensando quando eu iria virar adulto. Na verdade, ainda penso. Penso
isso quando estou fazendo coisas de adulto, penso isso quando estou fazendo
coisas de adolescente, penso isso quando estou fazendo coisas de criança.
Mas teve um dia... Um dia em especial que eu acho que dei um
passo grande para virar adulto.
Havíamos acabado de nos mudar para cá; era a primeira ou
segunda noite que dormíamos aqui e, antes de dormir, eu fui ver se a porta da
sala estava trancada. E, enquanto eu checava, percebi que essa era minha
obrigação: cuidar dessa casa e das pessoas que estão dentro dela. E uma delas
implica em fechar tudo antes de dormir. É a minha obrigação. Ou, como eu mesmo
diria, “é apenas o que eu faço”.
Mas, a primeira vez que tranquei a porta da casa foi o dia
que virei adulto. Acho.
Pensei isso enquanto trancava a porta e fui para a cama
pensando sobre isso, provavelmente me lembrando do meu pai fechando a porta de
casa quando eu era criança, que era o sinal do encerramento do dia. Aliás, é
isso. Eu não tranco a porta, eu determino quando o dia da casa acabou. Isso é
ser adulto. Isso tem que ser adulto.
Mas aí eu me pego dançando pela casa com o gato no colo.
Percebo que estou andando mais rápido para casa porque tenho um jogo novo de
PC. Sento sozinho pensando em textos e dou risada, falando sozinho e montando historinhas
– que nada mais é que brincar de faz de conta. E, às vezes, descubro um livro e
me apaixono como se eu tivesse acabado de aprender a ler.
Não é possível. Nada disso é muito adulto.
Mas, como eu disse, tenho quase quarenta anos e cuido da
casa. E cuidar da casa implica em pagar o guarda da rua – ele é meio gago,
qualquer dia eu falo dele aqui. Aí mês passado eu dei um aumento para ele, porque
tudo está mais caro e acho que ele merecia ganhar mais.
– O senhor é muito bacana.
– Oi?
– Muito obrigado. O senhor sempre me cumprimenta, sempre
para conversar comigo.
“É apenas o que eu faço”, pensei, mas não disse. Ao invés
disso, pedi:
– Não me chama de senhor, cara.
De lá para cá, ele me chama de “você”, mas no começo foi
mais difícil. Porque toda vez que eu olho no espelho eu vejo os quarenta anos
ali. A careca, as marcas de expressão, o ar cansado. Mas, eu sei que de vez em
quando eu deixo escapar uma gargalhada que faz os olhos brilharem e a pele alisar
um pouco – mas não nasce cabelo, o que é uma pena. Enfim, eu olho no espelho e
penso que sim, para o garoto que eu era com oito ou nove anos, o homem que eu
sou hoje é um senhor.
Um adulto.
Espero que esse garoto não perceba que hoje, quando eu trancar
a porta de casa e for para a cama, eu provavelmente vou me perguntar “que dia
será que eu vou virar adulto?”
Que dia você virou adulto?
Comentário óbvio: Acho que o segredo é nunca virar adulto.
ResponderExcluirSe um dia eu virar, eu te aviso.
O dia em que acontecer eu te aviso.
ResponderExcluirNão tem graça virar adulto!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirQuando eu fiz 40 anos peguei o controle do ps3 e pensei:
ResponderExcluirAinda posso jogar???? Hoje jogo com meu filho....
Ainda não cheguei nos meus 20 e poucos e não penso em casar. Ainda jogo videogame, assisto séries e odeio rotinas. Mas comecei e trabalhar e vejo q ser adulto é um saco, porque vc tem cada vez menos tempo para dedicar às coisas q gosta de verdade. No ultimo ano transei pela primeira vez, fiquei bêbado pela primeira vez e saí do país pela primeira vez. Ainda estou na fase de primeiras vezes e espero que ela dure bastante tempo ainda.
ResponderExcluirSempre achei que adulto é a pessoa que serei "daqui a 10 anos". OU seja, faltam (sempre) 10 anos pra eu chegar lá. :-) Mas enquanto não chego, me divirto com a viagem!
ResponderExcluirAinda me sinto uma menina, mesmo tendo tomado decisões, feitos escolhas e vivido histórias, e com
ResponderExcluirisso hoje carregar cicatrizes, que apenas adultos poderiam.
Ainda me sinto uma menina, mesmo tendo tomado decisões, feitos escolhas e vivido histórias, e com
ResponderExcluirisso hoje carregar cicatrizes, que apenas adultos poderiam.
Acho que no dia que meu avô morreu e eu prometi tomar conta da família... Eu tinha 12 anos e desde então sempre sou chamado pra resolver as coisas...
ResponderExcluirMas não deixo de ler minhas hqs e comprar meus actions Figures por isso...