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22 de março de 2015

Guerra Santa

Eu não tenho nada contra religião alguma – quer dizer, existem aquelas religiões que pregam que é precisa matar outras pessoas, mas isso para mim não é religião, e sim boçalidade. Mas religião mesmo, aquela que a pessoa tem uma fé que faz com que ela procure agir de forma melhor com o mundo e com ela mesma... Isso eu não tenho nada contra.

Mas agora que eu já coloquei um parágrafo politicamente correto – obedecendo às normas da internet de que um texto precisa sempre ter um trecho politicamente correto – vamos ser sinceros. Eu não tenho nada contra religião nenhuma, mas isso não significa que você pode tentar trazer a sua religião para dentro da minha casa.

Especialmente aos finais de semana.

Virou costume, agora. Todo sábado ou domingo de manhã minha rua é invadida por testemunhas de Jeová. O termo é esse mesmo: “invadida”. Não se tratam de duas ou três pessoas tocando as campainhas das casas para levar a palavra do Senhor, mas sim de todo um destacamento, às vezes com mais de vinte pessoas. E, graças à sua superioridade numérica, seus planos de conquista são executados de forma assustadora, com as tropas divididas de acordo com o nível de fé que cada casa precisa para ser convertida.

Vou explicar melhor. Aparentemente, eles têm um serviço de inteligência que mapeia todas as casas do quarteirão durante a semana. Partindo daí, eles dividem quantos soldados de Deus são necessários para cada residência, usando o princípio que, quanto menor a fé daquela casa, maior o número de pessoas que precisa tocar a campainha ao mesmo tempo.

Assim, após alguma observação cuidadosa sobre quantas testemunhas de Jeová tocam em casa, eu deduzi que elas dividem estrategicamente as residências em três grupos principais, tendo como base a dificuldade de converter seus moradores.

O Indígena – são as casas que serão catequisadas sem muita resistência. Normalmente, seus moradores estão no portão olhando com curiosidade para as testemunhas de Jeová que apareceram na rua, sem desconfiar do perigo que estão correndo. Basta uma delas se aproximar, entregar um folheto anunciando a volta do Senhor, batizar o morador com outro nome e pronto. Na minha rua, a maioria das casas é assim.

O Infiel – são as casas que darão um pouco mais de trabalho para ser convertidas, já que seus moradores não apenas não reconhecem a existência do Senhor, como têm sua própria religião. São precisos três ou quatro testemunhas de Jeová fazendo uma espécie de cruzada na calçada. Os moradores dessas casas podem resistir no começo, mas, vendo-se em menor número, certamente abraçarão a fé dos atacantes. Na minha rua, umas cinco casas são assim.

O Anticristo – É a casa onde mora o mal encarnado. São precisos pelo menos dez testemunhas de Jeová experientes – enquanto uma toca a campainha, as outras oram na calçada para receber proteção divina antes da criatura sair de seu covil. Se o morador dessa casa não for convertido, ele deverá ser destruído, pois sua missão é espalhar o mal pelo planeta e precisa ser detido a qualquer custo. Na minha rua, existe apenas uma casa assim. Evidentemente, é a minha.

Eu não sei o motivo, mas as testemunhas de Jeová que passam pela minha rua aos finais de semana elegeram a minha casa como o grande prêmio a ser conquistado em sua batalha. É como se minha casa fosse, na verdade, um portal para o inferno e que sua destruição iria atrasar em séculos o apocalipse. Só isso explica o fato de que quando elas tocam a campainha aqui, estão sempre em grupos de doze ou quinze.

Aliás, acabou de me ocorrer enquanto escrevo isso que talvez o problema delas não seja com a minha casa. Como elas sempre tocam quando estou sozinho, talvez o problema seja comigo.

Eu não sei de onde tiraram a ideia de que eu sou uma criatura das trevas. A única alternativa que me ocorre é que como estou sempre ouvindo Anthrax ou Megadeth, elas podem ter deduzido que somente um soldado do inferno iria ouvir esse tipo de música, ainda mais no volume que eu ouço, ainda mais num domingo de manhã. Talvez eu tenha ido fumar lá na frente enquanto a música tocava e comecei a balançar a cabeça e fazer chifrinhos com os dedos na direção delas sem perceber – sim, eu faço isso às vezes quando estou ouvindo heavy metal. Não digo que não fiz, apenas que não me lembro de ter feito. Talvez eu tenha feito.

Aliás, me conhecendo como eu me conheço, é provável que eu tenha feito.

E agora enquanto escrevo, começo a ter certeza de que eu fiz isso. Porque, sejamos sinceros, não existe outra explicação. Eu não faço nada demais para elas. Não é como se eu colocasse uma cama na garagem de casa e deitasse ali esperando elas aparecem na calçada, para começar a gritar palavrões em latim e vomitar sopa de ervilha nas paredes. Certo, admito que já pensei em fazer isso (e filmar tudo), mas nunca fiz. E se alguém falar que eu não fiz isso apenas porque não consigo levar a cama até a garagem, em minha defesa eu digo que ninguém pode provar isso.

E sim, eu pensei que o problema pudesse estar em Mefisto, o gato demoníaco que quem me segue no Instagram conhece por Gato Ridículo. Ele sim seria uma presa normal para as testemunhas de Jeová, por ter fortes ligações com o inferno. Aparece e desaparece sempre em nuvens de enxofre e somente depois que o adotamos descobrimos que, na sua ficha de adoção seu nome constava como Mefisto Servo de Lúcifer Destruidor de Mundos Aquele que se Alimenta de Sangue Príncipe das Almas Corrompidas e Enegrecidas pelo Pecado Cuja Voz Provoca Maremotos de Sangue. (Aliás, você pode ler sobre sua origem aqui, sobre o dia que ele tentou me matar aqui e sobre o dia que ele tentou me matar de novo aqui).

Mas não é o gato. O problema é comigo. Eu sou o inimigo. O mal a ser derrotado. Deixei de ser o carequinha daquela casa do portão marrom e me tornei Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado. Na primeira vez que as testemunhas de Jeová tocaram a campainha, ficou claro que o problema era comigo, e não com Mefisto e que eles estavam dispostos a usar a estratégia do “he will join us or die” (star wars: mode on).

Rob Gordon: Pois não?

Testemunha de Jeová Líder: Você está pronto para aceitar a palavra do Senhor?

Rob Gordon: Estou pronto para quê?

Demais Testemunhas de Jeová: THE POWER OF CHRIST COMPELS YOU! THE POWER OF CHRIST COMPELS YOU!

Testemunha de Jeová Líder: A palavra do Senhor! Só ela pode lhe salvar!

Rob Gordon: Eu não estou ouvindo nada com essas pessoas gritando aí atrás de você.

Demais Testemunhas de Jeová: THE POWER OF CHRIST COMPELS YOU! THE POWER OF CHRIST COMPELS YOU!

Testemunha de Jeová Líder: Você acha que o pecado mora no coração dos homens e que Jesus não faz nada a respeito disso?

Rob Gordon: Olhe, eu estou meio ocupado, trabalhand...

Testemunha de Jeová Líder: Jesus está vendo isso. A dor que você causa nos homens.

Demais Testemunhas de Jeová: THE POWER OF CHRIST COMPELS YOU! THE POWER OF CHRIST COMPELS YOU!

Rob Gordon: Então, manda esse pessoal rezar mais baixo. Eu não estou ouvindo nada e os vizinhos estão começando a olhar para cá. O que é que Jesus está vendo, que eu não ouvi?

Testemunha de Jeová Líder: A palavra do Senhor vai acabar com seu poder, criatura nefasta!

Rob Gordon: Oi?

Demais Testemunhas de Jeová: THE POWER OF CHRIST COMPELS YOU! THE POWER OF CHRIST COMPELS YOU!

Testemunha de Jeová Líder: Exorcizo te omnis spiritus immunde in nomine Dei Patris omnipotentis...

Rob Gordon: Olhe, eu não estou interessado. E estou meio ocupado. De verdade. Eu vou entrar.

Todas as Testemunhas de Jeová: AEOOO! WOLOLO! WOLOLO! AEOOO! WOLOLO!

Rob Gordon: Para com esse negócio de Age of Empires!

Todas as Testemunhas de Jeová: WOLOLO!

Voltei correndo para dentro de casa, antes que minhas roupas mudassem de cor e eu fosse convertido ao exército das Testemunhas de Jeová e obrigado a passar o resto da vida na aldeia deles, cortando lenha ou buscando pedras.

Nunca mais atendi a campainha – aliás, quando estou fumando lá na frente nos domingos e vejo as testemunhas de Jeová aparecendo na esquina me escondo rapidamente dentro de casa. Coloco uma placa de “Aluga-se” no portão, tranco todas as janelas e portas e faço o maior silêncio possível.

Mas não adianta. Elas sabem que estou aqui e tocam a campainha do mesmo jeito. Eu olho pela fresta da porta e vejo que estão cada vez num número maior. Na última vez, eram mais de trinta. Todos seguravam tochas e forcados, e gritavam na calçada.

– Você não pode se esconder para sempre, criatura dantesca!

– Matem o filisteu!

– Vamos arrancar suas roupas e sacrificá-lo ao nosso deus!

E eu fico quieto, esperando passar. Porque elas sempre desistem e vão embora. Essa é a boa notícia. A má notícia é que elas sempre voltam. Todo domingo elas estão aí. E eu sei que um dia vão se cansar disso, colocar o portão abaixo e me perseguir dentro de casa.

Na dúvida, eu só ouço heavy metal agora com fones de ouvido. Dentro do guarda-roupa. E com a porta do quarto trancada.

4 comentários:

  1. Normalmente eu digo que não tenho nada contra a fé das pessoas, mas tenho os dois pés atrás quando o assunto é religião institucionalizada. Qualquer uma.

    Mas, dito isto, vamos ao que interessa ó Príncipe das Trevas, ó Mochila de Criança, ó Sinteko Gelado. Voltou em grande estilo. Um texto no melhor estilo Robgordoniano por-que-essa-porra-só-acontece-comigo.

    Run to the hills!

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  2. Primeiro, um comentário de contexto: Porra, perdi o ponto de ônibus rindo do seu sofrimento! ������

    Segundo, já pensou em gravar essa conversa com as Testemunhas de Jeová com The Number of The Best tocando alto e, no próximo domingo atendê-las de cueca, cerveja na mão e com Mefisto encarapitado no seu pescoço, tocando a gravação?

    Pode não resolver, mas é divertido!

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  3. Caraca, Rob, to rindo muito alto.

    Aqui em casa o Philio está proibido de atender a porta pra Testemunhas de Jeová ou Mórmons. Ele abre a porta, convida pra entrar e faz café e fica debatendo Deus com eles (e ele não tem religião alguma). Daí sim, eles realmente voltam SEMPRE. Mereço.

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  4. Rob mito huhauahua, ainda bem,ainda bem que esse pessoal não aparece em casa

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