Eu ainda nem tinha tomado café quando tivemos que correr
para o hospital e isso depois de já passarmos a noite no pronto socorro quando
a gente descobriu que era alarme falso mas dessa vez tudo ia acontecer de
verdade porque a bolsa tinha estourado e entramos no hospital com ela tentando
contar as contrações eu falando para a médica que esquecemos o ultrassom por
causa da correria e a médica respondeu que trazer o ultrassom sempre é
importante e eu mandei ela esquecer a merda do ultrassom e examinar a minha
esposa e ela começou a fazer uns exames e eu corri para a administração para
ver os documentos da internação e de lá corri para o segundo andar junto com
uma enfermeira para deixar as malas no quarto e fui de volta para o primeiro
andar onde me deram uma roupa verde igual a dos médicos e mandaram eu colocar
por cima da roupa que eu estava usando e a calça não entrava porque eu tinha
dois celulares e duas carteiras comigo e eu comecei a pular por aquela sala que
parecia um vestiário desesperado tentando enfiar a calça por cima da bermuda
jeans e tive uma crise de ódio e gritei um palavrão porque minha carteira não
deixava a calça entrar e voltei correndo para fora para pedir uma calça maior e
essa finalmente entrou e eu atravessei os corredores o mais rápido que pude enquanto
colocava uma touca na cabeça perguntando para todo mundo onde ela está e quando
finalmente entrei na sala mandaram eu colocar uma máscara e eu não conseguia
amarrar aquilo de jeito nenhum na cabeça porque minhas mãos tremiam mas
consegui dar um jeito provavelmente amarrando errado mas não me importei muito porque
minha esposa estava gritando e a médica falou algo atravessado e eu pensei que
vou ter que segurar minha esposa antes que ela dê um tapa na cara dessa médica
e os gritos aumentaram e todo mundo falando que ela estava indo bem que estava
quase nascendo e continue fazendo força e eu fiquei ali me sentindo um pouco
inútil porque eu queria fazer força junto com ela mas não podia e o pouco que eu
podia fazer era conversar com ela e dizer que amo muito ela e que tudo vai dar
certo e todas aquelas frases que a gente sabe que ela nem está ouvindo mas que
você diz mesmo assim e lembro de ter limpado uma lágrima do rosto da minha
esposa e de repente a médica e todas as enfermeiras começaram a falar ao mesmo
tempo e eu não sabia em qual delas eu prestava atenção e mesmo se soubesse não
ia conseguir prestar atenção em nada que não fosse minha esposa mas de repente
a médica falou que essa vai ser a última contração e eu me lembro de pensar que
se podemos esperar só mais uns dois minutos porque eu não sei se ainda já estou
pronto para isso mas antes que eu pudesse fazer qualquer coisa alguém que
estava na sala começou a gritar que está vindo está vindo está vindo só mais um
pouco
E, exatamente às 12:12, minha vida ganhou pontuação.
Ele olhou na minha direção. Seus olhos eram escuros e
pequenos mas pareciam maiores que o mundo. E quando ele começou a chorar, eu
chorei junto. Éramos duas crianças. Ele chorava porque havia acabado de nascer.
Eu soluçava porque havia acabado de nascer de novo.
Enquanto nós dois chorávamos juntos, meu passado ganhou um
novo significado. Memórias de mais de quatro décadas começaram a se movimentar
dentro de mim. Meus sorrisos de criança se uniram com tudo o que aprontei na
adolescência e com cada coisa que aprendi depois de adulto. Todas as minhas
lembranças começaram a se comportar como peças de um quebra-cabeça que
decidiram, por conta própria, se juntar e revelar o segredo que escondiam.
E a imagem que o quebra-cabeça formou era o rosto dele.
Foi então que entendi que tudo o que vivi nesses mais de
quarenta anos não eram fatos isolados, e sim capítulos de uma história maior.
Cada lembrança doce, cada lição aprendida, cada pequena conquista... Tudo havia
me levado até ali. Cada instante da minha história havia me conduzido até
aquele momento. Em direção àquele menininho.
No meio da correria das pessoas de verde, do falatório
apressado, do choro do meu filho e da enormidade do futuro que se abria na
minha frente, com todos os sonhos e medos e receios e desejos e cuidados e
erros e aprendizados... Eu respirei fundo e pensei no meu pai. Fechei os olhos
e enxerguei exatamente o que o meu pai significa para mim.
E tudo ficou mais claro. Dali em diante, cada passo que eu
der precisa garantir que ele seja uma pessoa feliz. Cada escolha que eu fizer
precisa transformar esse menininho em um homem melhor que eu. Agora, tudo o que
eu sou, tudo o que fui e tudo o que eu possa ser um dia, é dele.
Foi neste momento que me tornei pai. E foi neste momento que
eu percebi que havia passado a vida inteira querendo ser o pai do Felipe.
Eram 12:12 quando tudo fez sentido.
Abri os olhos e vi que alguém havia colocado meu filho sobre
minha esposa. Ele estava deitado e assustado como um enfeite de cristal que,
depois de ser desembrulhado e colocado em uma estante, olha ao redor para
compreender aquele novo mundo. Mas ele não era feito de cristal. Ele era feito
de de tudo o que eu sou. Ele era feito de amor.
Pela primeira vez na vida, me aproximei do rosto dele e,
pensando no meu pai e pensando no meu filho, eu disse baixinho:
“Eu sou seu pai. E meu amor por você é maior que a vida”.
Eram 12:13 e eu ainda estava chorando.
Eram 12:12 quando eu comecei a escrever o maior texto da minha vida. |
Parabéns Rob Gordon!
ResponderExcluirEsse foi um de seus textos mais sensacionais que eu já tive a oportunidade de ler.
Felipe Savini Gordon. Taí, gostei.
ResponderExcluirLindo e profundo!
ResponderExcluirEstava tão envolvido que nem reparei na falta de pontuação. Lindo texto. Parabéns, Rob! :')
ResponderExcluirE eu ganhei um sobrinho. Tive que segurar a ansiedade do seu pai e a felicidade incontida da sua mãe.
ResponderExcluirFelipe, eu como tio e único ser pensante na família estarei sempre ao seu lado. Peço ao nosso Grande Arquiteto que me permita sempre estar ao seu lado e que possamos lapidar juntos nossas imperfeições.
Felipe, um grande beijo do seu Tio;
Ana, parabéns cunhada;
Ricardo, até que dessa vez você acertou.
Toda saúde, sabedoria e sorte para o pequeno.
ResponderExcluirQue lindo!!!! Parabéns e mil felicidades pra família!
ResponderExcluirParabéns Rob! Meu piá também se chama Felipe. Felicidades à todos!
ResponderExcluirMuito bom texto.
ResponderExcluir"E, exatamente às 12:12, minha vida ganhou pontuação."
ResponderExcluirQue frase, que texto, que emoção eu senti ao lê-lo. Parabéns ao novo papai!
Parabéns Rob. Muita saúde pra sua família! :D
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