Quem acompanha esse
blog ou me segue nas redes sociais deve estar sabendo que mudei de casa faz
alguns meses. Agora, moramos num pequeno sobrado bem perto daquele rio em cujas
margens plácidas foi disparado o brado retumbante de um povo heróico.
Só que o problema da
casa nova é que, no instante em que o Sol da liberdade deixa de brilhar em
raios fúlgidos no céu da Pátria, a casa é invadida por mosquitos.
Nós imaginávamos que
isso podia acontecer, afinal, estamos perto de um rio. Por isso, antes de
assinarmos o contrato, viemos dar uma volta pelo bairro e perguntamos para duas
ou três pessoas da vizinhança sobre esse assunto. As respostas seguiam sempre
pelo mesmo caminho.
“Ah, de vez em quando
tem um ou outro”.
“Não, nunca vi aqui na
minha casa.”
“O que é mosquito?”
Bom, bastou nos
mudarmos para começamos a encontrar mosquitos em casa. E não eram dois ou três,
eram dezenas. Às vezes, centenas. E, a cada mosquito que eu matava, amaldiçoava
meus vizinhos, que juraram que não havia pernilongos no bairro.
Sim, já me ocorreu que
talvez eles não tenham mentido. Talvez eles nunca vejam mosquito algum porque
todos os pernilongos da cidade estão dentro da minha casa. Talvez a casa deles
tenha alguma espécie de proteção – física ou mágica. Talvez eles apenas tenham mais
sorte que eu, talvez o sangue deles não seja tão apetitoso, talvez alguma coisa
no vento empurre os mosquitos apenas na minha direção.
Ou talvez os filhos da
puta ganhem comissão da imobiliária quando conseguem convencer pessoas
inocentes que o bairro não é infestado por pernilongos.
(Na verdade, minha
alternativa preferida é pensar que todos os moradores do bairro são adoradores
& escravos de uma antiga e obscura divindade com formato de pernilongo e,
para aplacar a ira da criatura maligna, decidiram me oferecer como sacrifício.
Sim eu pensei mais de uma vez sobre isso.)
Mas, religiões
arcaicas à parte, em alguns dias a situação era insustentável. Eu batia na tela
da janela da sala e era imediatamente transportado para o Sudeste Asiático, já
que uma nuvem de pernilongos saía voando. Na minha direção. Em formação de
ataque. Ao som de Cavalgada das Valquírias. Tudo o que eu podia fazer era
trancar a janela o mais rápido possível e mergulhar atrás do sofá.
À noite era pior.
Porque vamos abrir o jogo: pernilongos estão entre os animais mais estúpidos
que existem. Pensem comigo: você está deitado, dormindo. Se o pernilongo
pousasse no seu tornozelo, você jamais iria perceber. Eles passaria a noite
inteira ali se empanturrando. Sua perna seria transformada numa daqueles
restaurantes “coma o quanto quiser – suco grátis – aceitamos VR”. Mas, não! O
idiota insiste em voar perto da sua cabeça, fazendo barulho com as asas e
chamando a atenção. Ou ele é imbecil ou faz isso apenas para provocar, porque
sabe que – ao menos na minha casa – ele está com toda sua galera ali.
Chegou um dia que eu
cansei. Nem tanto pelo fato de que a cada pernilongo que eu matava, dois
apareciam em seu lugar, mas porque meus ombros já começaram a doer de tanto
bater palmas pela casa. Eu corria pela sala e batia palma tantas vezes que já
estava esperando alguém olhar da rua e tocar a campainha, querendo saber se dou
aula de flamenco e quanto custa a mensalidade. Sério, só faltavam as
castanholas.
Mas a gota d’água foi
o dia que eu estava lendo na cama e, ao olhar para cima, percebi que milhões de
mosquitos estavam se reunindo no teto, bem em cima de mim. Eles começaram a
voar de forma estranha e logo percebi que eles estavam formando uma espécie de
desenho no teto. Não. Não era um desenho. Eram letras!
Eles estavam tentando
se comunicar comigo!
Larguei o livro e
prestei atenção. Seria a descoberta biológica do século. Olhei com atenção as
letras se formando, jurando para mim mesmo que, em meu discurso aceitando o Nobel
de Biologia, dedicaria o prêmio aos dois professores que me reprovaram nessa
matéria. Finalmente, o texto se formou.
MOSQUITOES WAR
EPISÓDIO IV
É um período de guerra
civil. Espaçonaves rebeldes atacando de uma base secreta conquistaram sua
primeira vitória contra o temível IMPÉRIO GALÁCTICO.
“Porra, eu sou o
Império?”, gritei, jogando o travesseiro nos pernilongos. Eu não sabia o que
era pior: ser apontado como vilão ou perceber que estou gordo o suficiente para
ser apelidado de Estrela da Morte pelos mosquitos. Filhos da puta.
Na minha cabeça, agora
era guerra. Mas eu precisava de alguma estratégia para equilibrar a batalha, já
que o exército inimigo 1) está em superioridade númerica absoluta e 2) voa.
Pensei nos meus anos jogando Civilization e decidi que a melhor saída nesse
caso seria algum avanço tecnológico militar. Isso equilibraria um pouco a
situação.
Concluí que só havia
uma saída. Fui até o mercado e comprei uma daquelas raquetes elétricas que
matam mosquitos.
Ok, vamos interromper
um pouco aqui. Eu sempre fui contra essa raquete – especialmente porque a
primeira vez que eu vi isso foi nas mãos da Síndica Mafiosa do prédio que eu morava em Pinheiros (Oi, leitores mais antigos! Lembram dela?). Naquele
momento, aquilo me pareceu um instrumento típico de genocídio, cruel demais.
Lembro que jurei nunca usar um negócio daqueles.
Mas não há juramento
que resista a um enxame de milhares de pernilongos.
Voltei com a raquete
para casa. Ela carrega na tomada (o que é ótimo, porque senão eu gastaria todo
meu dinheiro em pilhas) e é laranja porque... Bem, porque a única outra cor
disponível era verde-limão, e se eu fosse um pernilongo, jamais respeitaria uma
pessoa que me atacasse com uma raquete verde limão. Mas perguntei ao cara do
mercado se existia algum modelo que contabilizava o número de mortes.
“Acho que não. Mas por
que o senhor iria querer isso?”
“Ah, apenas para ter
um número exato e reclamar na prefeitura”, menti. Eu não ia falar para ele que
queria ser apelidado de Barão Laranja pelos pernilongos. Se eu tentasse
explicar para ele que eu não queria apenas matar os pernilongos, e sim voltar a
ser respeitado dentro da minha casa, ele provavelmente acharia que sou louco e
chamaria a segurança.
Enfim, voltei com a
raquete para casa. Quando estava entrando, os pernilongos estavam voando pela sala.
Percebi que eles já se preparavam para me atacar quando puxei a raquete de
dentro da sacola e a brandi com força no ar, gritando:
“SAY HELLO TO MY LITTLE FRIEND!”
Faltava só a cocaína
no cabelo. Bom, na verdade, falta também o cabelo, mas duvido que os mosquitos
tenham prestado atenção nisso, porque imediatamente liguei a raquete.
Agora, minha sala não
era mais um campo de guerra, e sim uma espécie de Winbledon do inferno. Eu
sacava um pernilongo (CRAC), corria pela sala e rebatia outro perto do aquário
(CRAC), cortava uma nuvem que tentava escapar para a cozinha (CRAC CRAC CRAC),
subia no sofá e pulava de volta para o chão, golpeando o ar com a raquete feito
o Conan (CRAC CRAC CRAC CRAC CRAC) e gritando que vou beber vinho nos seu
crânios e me deitar com suas mulheres, cães pictos infelizes!
Sim, aparentemente, a
raquete não me fez bem. Não demorei para descobrir que se o poder corrompe, e o
poder absoluto corrompe absolutamente... O poder elétrico torna insano. Mas
comecei a ficar realmente preocupado comigo mesmo quando descobri que alguns
pernilongos não morriam imediatamente. Os menos sortudos ficam grudados na tela
da raquete, literalmente fritando – dá para sentir o cheiro de queimado e tudo.
Cruel demais.
Na primeira vez que
isso aconteceu, eu deveria apenas ter jogado a raquete de lado, me virado na
direção dos pernilongos respirando fundo, e falado para eles que “Não. Eu nunca
vou abraçar o Lado Negro. Vocês falharam. Eu sou um Jedi, como meu pai antes de
mim”.
Eu devia ter feito isso.
Mas, na verdade, eu simplesmente aproximei a raquete do meu rosto, admirei o
pernilongo queimando e sussurrei “Burn, baby, burn”. Tenho certeza que meus
olhos estavam vidrados. Foi aí que eu percebi que adoro o cheiro de mosquitos
queimados pela manhã.
Este foi o ponto sem
volta. De lá para cá, eu passei a andar pela casa com a raquete embaixo do
braço. Aonde eu ia, ela ia comigo. Éramos apenas um. Mas o mais assustador foi
que eu desenvolvi um grito de guerra para cada aposento – como eu disse, não era
ganhar a guerra, era recuperar meu respeito. E eu decidi recuperar meu respeito
colocando medo nos pernilongos.
Por exemplo, na sala
eu mantive o “say hello to my little friend”. Aliás, eu queria ter pintado a
frase “The World is Yours” na parede, mas a Esposa não deixou. Paciência.
Bastava eu colocar os pés no aposento e gritar que os mosquitos sabem o que vai
acontecer.
No escritório, eu
assumo outra estratégia. Abro a porta imitando o som dos passos do RoboCop e
aponto a raquete para os mosquitos, falando que “dead or alive, you come with
me”.
No banheiro? Sempre
que entro ali com a raquete, grito que “Heeeeere’s Johnny!”. Perguntei para a
Esposa se eu não podia abrir um rombo na porta, porque acho que enfiar a cara
nesse buraco e gritar essa frase antes de entrar teria um efeito ainda mais
assustador, mas ela também não deixou (às vezes eu me sentia sozinho demais
nessa guerra).
E o quarto... Bem, ali
eu decidi fazer o jogo dos pernilongos. Não tinha sido ali que eles decretaram
que eu sou o Império? Então, sempre que entro ali, os pernilongos já entram em
pânico quando eu ligo a raquete e digo que “the force is with young pernilongo;
but you are not a Jedi yet!” e começo a distribuir raquetadas fazendo som de
sabre de luz e gritando que “I have you now” (CRAC), “It’s useless to resist”
(CRAC) e “it’s unwise to lower your defenses” (CRAC).
Como vocês devem
imaginar, o problema foi resolvido.
Mas não por mim.
Quem resolveu tudo foi
a prefeitura, que recebeu tantas reclamações da Esposa que acabou limpando o rio
aqui ao lado. Quando fiquei sabendo disso, senti um gosto amargo na boca,
resmunguei algo como “malditos diplomatas. Eu estou aqui encharcado de sangue e
eles resolvem tudo com um telefonema” e fui trabalhar.
Mas confesso que foi
melhor assim. Porque talvez eu iria eliminar todos os pernilongos da casa, mas
com certeza eu iria acabar com meu casamento. Teve um dia que a Esposa me
chamou, pediu para eu sentar no sofá, falando que queria conversar comigo.
“Você não acha que
está exagerando com essa raquete?”
Eu olhei para ela.
Peguei uma esponja molhada e apertei na testa. Enquanto a água descia pelo meu
rosto, eu comecei a murmurar:
“Eu vi horrores...
Horrores que você viu. Mas você não tem o direito de me chamar de assassino.
Você tem o direito de matar. Você tem o direito de fazer isso. Mas você não tem
o direito de me julgar.”
“Do que você está
falando?”
“É impossível
descrever em palavras o que é necessário para aqueles que não sabem o que o
horror significa. O horror... O horror tem um rosto... E você deve fazer do
horror seu amigo.”
“Você está molhando a
sala inteira com essa esponja!”
“O horror... E o
terror moral... São seus amigos. Caso contrário, eles são inimigos a serem
temidos. São inimigos verdadeiros.”
“Ou você para com essa
merda ou você vai fazer seu próprio almoço hoje”.
“Ok, já parei”,
respondi, guardando a esponja na mesma hora.
De lá para cá eu sosseguei.
Mas vou confessar algo aqui:, toda noite, me sento no sofá depois que todos
foram dormir e examino minha raquete. Checo se ela está limpa, se está
carregada. E faço minha última oração do dia:
“Esta é a minha
raquete. Existem muitas outras como ela, mas essa é a minha. Minha raquete é
minha melhor amiga. Ela é minha vida. Eu devo controlar a raquete da mesma
forma que devo controlar minha vida. Sem mim, minha raquete é inútil. Sem minha
raquete, eu sou inútil. Eu devo usar minha raquete honestamente. Eu devo ter
uma pontaria melhor que o pernilongo que está tentando me matar. Eu devo atacar
antes que ele me ataque. Perante Deus, eu juro: minha raquete e eu somos
defensores do meu país; nós vamos controlar nossos inimigos; nós somos os
salvadores da minha vida. E que seja assim, até que não haja mais inimigos,
apenas paz. Amém.”
E vou dormir. Ou, pelo
menos, tentar. Porque eu tenho certeza que os mosquitos vão voltar.
É só uma questão de tempo. Eles vão voltar.
17 comentários:
Amigo Barão Laranja, por favor me diga que os mosquitos iam andando quando fizeram o texto no teto do quarto, pras palavras irem subindo! :)
Metade dos mosquitos da região são espiões, a outra metade transmite dengue.
Barão Laranja? Com a matança que você descreveu, tá mais pra Agente Laranja!
Sensacional! Ótimo texto, Rob! Participo dessa guerra também! Ajhhaha
Pare de dizer "my precious" toda vez que olhar para sua raquete!
Leave the raquete take the cannoli!
Não subestime seu trabalho como Barão Laranja; uma raquete dessas reduziu a população dos mosquitos do Butantã pela metade, e ainda levou marimbondos enormes para o outro lado da vida.
Outro dia mesmo vinha pensando na Brick Top e na Besta-Fera.
Vida longa e próspera aos guerreiros que resguardam seus domínios dos terríveis e perigosos mosquitos que assolam nosso país. Kudos.
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