Eu tenho uma facilidade muito grande de chorar em shows. Às
vezes o choro vem em capítulos, como nas três vezes que chorei ao assistir a um
show do Paul McCartney pela primeira vez; ou ele explode de uma vez e me faz soluçar,
como quando o Iron Maiden tocou Wasted Years – já falei aqui neste blog que foi
a primeira música deles que ouvi.
E, às vezes, ele é discreto e apenas deixa meus olhos
molhados, como aconteceu quando o Guns N’ Roses entrou no palco ontem.
Não foi um momento fácil para mim. Guns N’ Roses foi a
primeira banda que eu declarei ser minha, lá pelos idos de 1989 – eu ouvi
Beatles antes de ouvir Guns, mas Beatles entrou no rol de “minhas bandas”
somente anos depois. Sim, existiram muitas bandas que foram “minhas”.
E o Guns foi a primeira. Assistia ao Clip Trip esperando
pelos clipes deles. Acompanhei todas as notícias possíveis sobre Use Your
Illusion. Me lembro da fila quilométrica na porta da Woodstock no dia do
lançamento, e eu gastei uma fortuna para voltar com os dois álbuns duplos para
casa.
Por isso, quando a música começou, eu não olhava para o
palco e enxergava três músicos que admiro, e sim três dos maiores heróis que
tive na adolescência. Eu bato olho e reconheço as tatuagens, o modo de cada um
deles andar pelo palco. Não são ídolos, são os amigos mais velhos que eu
admirava. Isso não tem a ver com talento musical, com gênero, com qualidade das
músicas. Isso tem a ver com paixão – e paixão, especialmente as adolescentes,
não se explica. Elas se vivem.
E a minha paixão por Guns sempre orbitou ao redor de Sweet
Child O’ Mine. Musicalmente, não é nem a canção deles que considero a melhor –
fico sempre em dúvida entre Civil War e Estranged – mas é a minha preferida. Eu
descobri Guns com o vídeo de Knocking on Heaven’s Door, mas a fagulha de
verdade se acendeu com o vídeo de Sweet Child O’ Mine.
Tudo ali era perfeito na minha cabeça de catorze anos. A
atitude. O som. A voz. O refrão. Tudo – isso inclui a forma que o Slash vira a
guitarra no final do solo. Com 14 anos, aquilo não era algo que eu gostava, era
algo que eu queria. Não algo que eu queria ter, mas sim algo que eu queria ser.
Por isso, todos os dias, ao voltar da escola, eu colocava o
Appetite for Destruction para ouvir enquanto almoçava. Todos os dias. E me
sentava à mesa ouvindo os primeiros acordes de My Michelle, porque era sempre o
Lado B. Sim, o Lado A tinha Welcome to the Jungle, Mr. Brownstone, Paradise
City – mas o Lado B tinha Sweet Child O’ Mine (meu cérebro ainda sabe que era a
terceira música). E eu queria essa música antes de tudo.
E, quando ela começava, meu dia começava a fazer sentido.
Sim, quando você tem catorze anos, é fácil assim.
Como eu disse acima, eu tinha todos os motivos do mundo para
chorar em Sweet Child O’Mine. Foi escrevendo esse texto que eu descobri porque algumas
músicas me fazem chorar: não basta ela ter sido especial para mim; é importante
que, em algum momento, eu tenha experimentado a certeza de que nunca a veria ao
vivo.
Foi assim com Wasted Years, que o Iron havia deixado de lado
nos setlists; foi assim com From Out of Nowhere, do Faith No More (a música abre
o lado A do The Real Thing, o disco que substituiu o Appetite for Destruction
como trilha sonora do meu almoço quando o Axl Rose já estava até rouco na minha
cópia); pois a banda havia acabado. Foi assim com a primeira música dos Beatles
que o Paul tocou no Brasil (All my Loving, a terceira do setlist), pois ele passou
décadas sem vir ao Brasil.
Na minha vida, esses momentos não são musicais. Eles praticamente
encerram ciclos. Como tratam-se de músicas que eu passei anos com a certeza de
que nunca as veria ao vivo, ver isso acontecer é consumar uma paixão platônica de
anos. É fazer o impossível.
Após ler esse texto, aposto que você tem certeza de que eu
iria chorar quando Sweet Child O’Mine começasse a tocar no estádio. Até eu e
quem me conhece tinha a certeza.
Mas eu não chorei. O nó na garganta apareceu, mas – e ainda
não sei como isso aconteceu – ele se transformou no maior sorriso que eu dei em
anos. Em alguns momentos antes do refrão, eu cheguei a rir baixinho, sem
conseguir entender minha reação ou mesmo controlá-la.
Talvez meus 14 anos tenham assumido o controle. Talvez eu e
meus 14 anos tenhamos nos abraçado. Não sei.
Mas eu sei que cantei a música aos berros – como fiz em 80%
do show, e hoje estou completamente sem voz, coisa que não acontecia desde o
show do Judas Priest em 2005. E, no final da música, abracei a Esposa e o
Enteado e pulei cantando junto toda a parte final.
Agora eu sei que não estava cantando, mas sim conversando
comigo mesmo. Eu havia acabado de consumar a maior paixão platônica da minha vida,
então, abracei minha família e, junto com Axl Rose, perguntei “para onde nós
vamos? para onde nós vamos agora?”.
Porque, eu realmente, não sei para onde ir depois desse
momento.
Mas, se existe algo que eu aprendi nos quase trinta anos que
eu vivi ouvindo música pelo menos uma vez por dia na minha vida, é que não importa
onde eu for, mas sim essas músicas estarem ao meu lado e ao lado de quem amo.
Importa eu saber que o moleque que eu fui com 14 anos ficaria
muito orgulhoso de mim por ter chorado em todos esses shows. Mas ele ficaria
mais orgulhoso ainda do show que eu não chorei. Afinal, esse show foi a maior
paixão platônica que ele teve.
E agora ela está consumada.
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