Depois de um longo e tenebroso inverno sem postar nos blogs
por absoluta falta de tempo, vamos começar a colocar a vida em ordem. Além
disso, eu sempre defendi a ideia de que os posts estão na rua esperando para
serem escritos, e acabei de comprovar isso voltando do banco.
Fui até lá sacar um pouco de dinheiro e já entrei na agência
emburrado. Isso porque está chovendo e fui obrigado a andar com o guarda-chuva,
algo que abomino completamente.
Sério, já passou da hora da humanidade inventar outro modo
de se proteger da chuva, porque guarda-chuva é algo arcaico demais. É
desconfortável, é meio inútil porque você não fica completamente seco...
E o problema é que as pessoas acham que, com o guarda-chuva
o problema de não tomar chuva já está resolvido e a humanidade pode se
preocupar com outras coisas. Eu admito que ele seja uma evolução. Antes, quando
começava a chover, nós tínhamos que correr para dentro de cavernas. Mas agora
nós podemos sair na chuva: basta usarmos essa vareta com uma capa em cima dela.
Não, o problema não está resolvido. O guarda-chuva é uma
primeira solução, mas precisamos de algo mais eficiente. Especialmente no meu
caso, já que quando cheguei ao banco quem estava saindo era o pessoal daquelas
empresas de segurança que leva dinheiro para o banco.
Você já viu a cena? Um deles entra no banco carregando
dinheiro, e os outros ficam na calçada, portando armas capazes de derrubar o
governo de alguma micronação africana e olhando para os lados, como se fossem
agentes de segurança no seu primeiro dia de trabalho no Asilo Arkham.
Então, lá está o sujeito segurando uma escopeta com o dedo
no gatilho e olhando para os lados. E o que ele vê? Um casal andando de mãos
dadas. Um homem de meia idade passeando com o cachorro. Um carequinha a poucos
metros dele, de costas e mexendo em um guarda-chuva fechado, como se estivesse
tentando puxar algo que está escondido ali dentro.
E a culpa não é minha. Eu não sabia como o guarda-chuva daqui
de casa fechava. Tentei fechar, e ele abriu. Tentei fechar e ele abriu. Tentei
fechar e ele abriu. E o sujeito com a escopeta me observando. Felizmente eu
tateei o negócio e descobri que existia uma trava ali, antes que o segurança se
convencesse de que a qualquer momento eu puxaria uma granada lá de dentro e me
atiraria para dentro do carro gritando “VIVA LA REVOLUCIÓN!” e que a única
maneira de impedir isso seria disparando sua arma e fazendo metade do meu corpo
desaparecer.
Enfim... Entrei no banco e fui para o final da fila do caixa
eletrônico.
Cinco minutos depois, eu estava no mesmo lugar.
Comecei a ficar impaciente. Lembra quando eu disse que o
invento guarda-chuva precisa ser melhorado? Bom, isso pode esperar. O que
precisamos aprimorar mesmo são os caixas eletrônicos. Porque poucas coisas são
mais idiotas que isso.
A meu ver, o caixa eletrônico precisa ser algo rápido.
Porque vamos pensar uma coisa: durante alguns minutos, você está demonstrando
para o mundo que A) você possui dinheiro no banco; B) está com o cartão do
banco na mão; C) está ao lado de uma máquina onde o cartão de B pode ser usado
para retirar o dinheiro de A. E, a não ser que você seja o sujeito com a
escopeta do lado de fora do banco, se alguém se aproximar e colocar uma arma na
sua cabeça, a primeira coisa que você vai fazer é entregar sua senha.
Então, o que os bancos deviam pensar? “Olha, a pessoa que
está usando o caixa eletrônico está exposta e desprotegida. Precisamos fazer
com o que processo seja o mais rápido possível”. E eles pensam assim, mas só na
primeira frase. A parte que nós estamos expostos ali eles entendem. O problema
é que a solução encontrada... Bem, eu consigo imaginar até a reunião em que
decidiram isso.
– Precisamos garantir que nosso cliente não seja roubado no
caixa eletrônico.
– Sim. Mas como faremos isso?
– Vamos fazer a máquina perguntar dezenove coisas pessoais
para o cliente. Assim, será impossível que alguém use o cartão fingindo ser
ele.
– Mas isso não é demorado?
– Nós somos um banco. Ninguém espera que a gente seja
rápido.
– Mas e se nesse tempo alguém entrar e colocar uma arma na
cabeça do cliente, e mandá-lo dar a senha do cartão?
– Bom, nós somos um banco. Segurança pública não é trabalho
nosso.
Essa é a ideia genial do banco. Você entra e coloca seu
cartão.
DIGITE SUA SENHA
RETIRE SEU CARTÃO
Até aí, tudo bem. Mas basta você dizer que quer sacar vinte
reais para começar o questionário.
QUAL É O NOME DA SUA MÃE?
QUAL SEU ÚLTIMO NOME?
QUANTOS NÚMEROS PRIMOS EXISTEM NO SEU CPF?
QUAL É A TERCEIRA MÚSICA DO LADO B DO OITAVO DISCO DOS BEACH
BOYS?
ASSINALE VERDADEIRO OU FALSO NAS SEGUINTES FRASES SOBRE A
HISTÓRIA DA ESPANHA.
Sem exageros, toda vez que eu vou sacar dinheiro me sinto
como se estivesse disputando uma versão pobre do Show do Milhão. Não posso
consultar universitários, não posso consultar as cartas e o prêmio máximo é
cinquenta reais. Sim, definitivamente o caixa eletrônico tem mais urgência que
guarda-chuva.
E, de uns tempos para cá, o caixa eletrônico piorou ainda
mais. Como eu disse, eu estava no banco e a fila não andava. Quando eu percebi,
todos os caixas eletrônicos estavam ocupados por idosos. E eles não estavam
mais tentando sacar dinheiro. Já haviam se organizado em um grupo terrorista da
terceira idade – uma espécie de Cocoon do Mal – e, pelo que ouvi, estavam
planejando derrubar um caixa eletrônico e atear fogo no negócio.
Eu comecei a bufar, impaciente. Veja bem, eu me solidarizo
com pessoas que não sabem usar o caixa eletrônico, mas eu realmente estava com
pressa. Se eles fossem sacrificar um dos caixas eletrônicos ao deus deles e
deixassem outro livre para eu usar, eu não teria me importado. Mas eles estavam
debatendo alguma coisa ao mesmo tempo em que ocupavam todos os caixas.
Mas, ao verem que eu estava ali esperando na fila, eles
enviaram uma emissária para me explicar a situação. E fizeram a coisa mais
esperta do mundo: escolheram uma mulher igual a Nicette Bruno para isso.
E, convenhamos, não existe nada mais gentil que a Nicette
Bruno. Se eu fosse secretário da ONU, mandaria a Nicette Bruno em todas as
reuniões envolvendo os problemas do Oriente Médio. Nada no mundo é mais bondoso
que a Nicette Bruno. Eu consigo ver a Nicette Bruno servindo café e bolo para
representantes do Estado Islâmico – e fazendo dois deles sorrirem ao mostrar um
vídeo do neto que ela tem no celular.
Então, os idosos terroristas já me ganharam quando a Nicette
veio falar comigo.
– Você vai sacar dinheiro?
– Sim. As máquinas estão com problema?
– É a biometria que não está funcionando.
Ao falar isso, a Nicette se aproximou de mim e me contou
algo como se fosse um segredo.
– Sabe, nós já temos idade. E, não sei se você sabe, mas
depois de certa idade, nossa impressão digital começa a desaparecer.
Eu não fazia ideia disso. Tentei me lembrar de algum
episódio de CSI em que isso pudesse ter sido comentado, mas não me ocorreu
nenhum. Mas desisti logo porque eu estava indignado.
– Espere. A biometria não funciona com vocês?
– Não.
– E o banco obriga vocês a usarem a biometria para sacar o
dinheiro?
– Sim. Eu vim sacar dinheiro para fazer compras e não
consigo. É sempre assim.
Eu sempre detestei o lance da biometria. Eu acho meio
arrogante a humanidade não ter a capacidade de aprimorar um guarda-chuva e, ao
mesmo tempo, cismar de inventar coisas que pareciam legais apenas nos anos 60,
quando eram usadas nas fortalezas dos vilões dos filmes do 007.
E eu já tinha me ferrado com essa biometria. Uma vez fui
usar e a pessoa na frente de mim estava comendo aqueles sacos de batatas chips
cancerígenas que vendem na rua e deixou o negócio engordurado a ponto de
ninguém conseguir usar. Outra vez o sujeito na fila assoou o nariz com a mão –
sim, sem lenço e sem documento – dentro do banco e limpou na calça antes de
usar a biometria e eu desisti e fui embora vomitar e sacar dinheiro em outro
lugar.
Então, sim, eu odeio a biometria. Mas dessa vez eu não senti
ódio e sim meu coração se despedaçando. Porque não era uma velhinha qualquer
falando isso para mim, e sim uma velhinha igual a Nicette Bruno.
Eu quis morrer ali.
Estava quase sugerindo que “olha, eu ouvi vocês falando que
pretendiam incendiar um caixa eletrônico, e eu tenho um isqueiro aqui, vocês
podem ficar com ele”, mas a Nicette não participa de atos terroristas. Ela não
prega a violência de forma alguma. A Nicette apenas me disse:
– Aquele ali está livre, você pode tentar.
E eu fui. Morrendo de medo do negócio não funcionar comigo.
Porque se a biometria não funcionasse, o que eu iria dizer em casa? “Não
consegui sacar o dinheiro porque sou velho e não tenho mais impressões
digitais”. Pronto. A Esposa iria me levar em todos os médicos possíveis e eu
teria que dizer que a última vez que comi salada a moeda ainda era cruzado novo
e ouvir que meu colesterol está no mesmo nível de uma pessoa clinicamente
morta.
Minha vida iria acabar.
Coloquei o cartão rezando, respondi as dezenove perguntas
rezando e a máquina me mandou colocar o dedo. Obedeci da forma mais delicada do
mundo e...
TRANSAÇÃO APROVADA
Respirei fundo e peguei meu dinheiro. Quando me virei, estava disposto até a pedir desculpas para a Nicette pelo meu sucesso, mas ela apenas sorriu de forma sincera e disse:
– Que bom que você conseguiu!
Eu sorri de volta e dei boa sorte. E saí do banco me
sentindo... Não sei. Jovem. Como se eu tivesse a vida inteira pela frente, e
tempo suficiente para deixar minhas impressões digitais – que eu ainda tenho –
pelo mundo.
Mas isso durou menos trinta segundos, até eu perceber que
não estava mais conseguindo abrir o guarda-chuva. Porque talvez eu seja jovem o
suficiente para ter minhas impressões digitais, mas já sou velho o suficiente
para não conseguir aprender coisas novas.
Aliás, pensando agora, acho que a Nicette estava até mais
inteira que eu. Certeza que até o final da semana minhas impressões digitais
vão desaparecer.
3 comentários:
Pô, eu adoro a biometria! Me sinto o Maxwell Smart! Mal posso esperar pra termos scanner de retina!
Melhor do que inventar outro apetrecho pra substituir o guarda-chuva, deviam inventar uma substância química que seria jogada no ar e parasse totalmente a chuva. Porque até capas de chuva, compridas até a canela, não nos deixam totalmente secos.
Agora, você precisa dar um jeito nessa sua velhofobia aí, hein!
Abração, Rob!
Hahahaha ri muito com o grupo Cocoon do Mal. Muito bom! Sinta-se jovem, meu caro Gordon. O que importa é a alma e o espírito jovem que move seus dedos para contar tantas histórias legais. :)
Eu nunca tinha pensado nessa questão da biometria para idosos. Quando você pensa que as coisas estão evoluindo é quando percebe que é só outra forma escrota do mundo excluir alguém.
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