Eu estava voltando para casa mas parei no mercado. Comprei
um suco para beber e deveria ter saído do mercado apenas com a sacola e minha
bolsa. Mas como estou mudando de casa, aproveitei e pedi uma caixas de papelão
no mercado, porque eles sempre têm umas sobrando ali. Me deram quatro caixas,
que era o que eu conseguia carregar, e fui para casa.
O problema é que como sou pequena e estava levando as caixas
empilhadas na frente do corpo, a pilha começou a se desequilibrar assim que eu
estava atravessando a rua. Para piorar, a alça da minha bolsa começou a escorregar
pelo ombro. Se eu não fizesse algo, tudo iria cair: caixas e bolsa. Assim,
atravessei a rua andando apressada – ou o mais rápido que pude, porque como
está frio estou com roupas grossas e se eu andasse muito rápido as caixas
cairiam.
Chegando ao outro lado da rua, vi um portão de um escritório
que já estava fechado e resolvi aproveitá-lo para resolver minha situação. Sem
largar as caixas, apoiei a pilha no portão, pressionando-a com meu corpo e
tentei livrar uma das mãos para arrumar a bolsa no ombro. Estava quase
conseguindo quando ele apareceu.
Devia estar me espreitando, pois ele sabia exatamente o que
eu estava passando e qual o melhor momento de agir. Era baixo, devia ter uns
quarenta anos e seu rosto estava parcialmente escondido por um gorro. Ele se
aproximou de mim e perguntou:
– Quer ajuda?
Eu disse que sim, porque minha caixas iam cair. Então, ele
tomou as caixas da minha mão e ficou segurando a pilha para que eu pudesse ajeitar
minha bolsa no ombro. Quando finalmente consegui fazer isso, ele me entregou as
caixas e eu peguei a pilha novamente.
Mas ele não parecia disposto a desistir. Assim, ele pegou
novamente a pilha de caixas e a virou, para que o lado mais largo das caixas
ficasse apoiado no meu corpo.
– Assim, o peso fica mais distribuído e fica mais difícil
delas caírem.
Dei uma leve balançada na pilha de caixas e vi que ele tinha
razão. Elas estavam mais firmes e para uma pessoa que estava com uma jaqueta
grossa como a minha, sem poder me mexer muito, isso faria diferença.
– Você tem razão.
– Agora é só ir com cuidado que nada vai cair. E cuidado, o
chão está molhado.
– Obrigada, moço. Estava caindo tudo aqui.
– Imagina. Eu vi que você estava quase derrubando as caixas.
Posso te ajudar em algo mais?
– Não, obrigada. Agora as caixas estão firmes.
– Bem, boa sorte.
Ele sorriu e foi embora. Devia morar ali perto, pois estava
com uma chave na mão. Foi quando eu percebi que algo estava errado. Olhei ao
redor tentando entender o que estava me incomodando...
E percebi que não havia criança nenhuma ao nosso redor.
Não havia uma menina de quatro anos falando sobre quebrar
paradigmas, nem um garoto usando a pilha de caixas como exemplo do trabalho
escravo na indústria de papelão, muito menos uma criança de dois anos usando uma camiseta com a inscrição “existe amor em São Paulo” dizendo a todos que “as pessoas
ao nosso redor aplaudiram, eu estava lá e foi lindo”.
Talvez porque nós estivéssemos na rua e não no metrô, que
parece ser o habitat natural dessas criaturas. Ou talvez porque essas crianças
não existam em histórias baseadas em fatos reais.
Ainda bem que o sujeito que me ajudou com as caixas têm um
blog com histórias que não precisam dessas crianças.
Bingo!
ResponderExcluirRecomendo:
ResponderExcluirhttp://twitter.com/FanficsHonestas
Além de concordar totalmente e odiar essas crianças, puxa puxa mew, fiquei procurando alguma nota falando que foi outra pessoa que escreveu! Vc sabe escrever com outras vozes!!! Isso é demais!!! Um dia eu chego lá!!
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