Eu já falei aqui sobre meus vizinhos. Quando mudamos para
essa casa, eu fiz um post apresentando meus vizinhos e depois fiz outro,
evidentemente mais sério, quando o Bruxa do Kurosawa da casa ao lado morreu.
E, mais importante, já fiz um post explicando o barulho que os vizinhos fazem. Eles gritam o dia inteiro. Mas hoje eu quero falar de um personagem específico que vem ganhando cada vez mais importância nos últimos episódios de “A Vida do Rob Gordon é um Inferno”.
Porque o problema é que após a morte do japonês a dinâmica
da casa ao lado mudou. Afinal, nós temos duas famílias morando nessa casa, e
uma delas passou a ser formada apenas pela Japonesa-Mais-Velha-Que-o-Japão. E
como ela é completamente surda e parece estar cada vez mais esclerosada, é
evidente que seria preciso alguém para cuidar dela.
Surgiu, então, Lílha Three Times.
Lílha Three Times, na verdade, era um personagem que já
havia aparecido em diversos episódios, mas com pouca importância – eu até mesmo
falei rapidamente sobre ela no post sobre o barulho. Desde que eu vim morar
aqui, eu a via entrando e saindo da casa. Imagino que seja prima, sobrinha,
tataraneta, qualquer coisa assim.
E ela sempre se destacou como uma das pessoas mais estranhas
do mundo.
Vou tentar descrever aqui o layout dela. Primeiro, ela é
daquelas pessoas que pode tanto ter 35 anos como 120 – na verdade, eu acho que
ela tem uns 40 e pouco, mas não posso ter certeza por causa das mechas brancas
no cabelo dela. Segundo, ela é uma das pessoas mais bombadas do mundo. Ela é
baixa, e como está sempre usando um bermudão, é possível reparar que suas
pernas são feitas apenas de músculos. Ela é completamente trincada, mas apenas
nas pernas.
Na verdade, estou pensando agora que ela é uma espécie de best
of dos desenhos animados que eu via na infância. Porque ela tem a batata da
perna do Brucutu, caminha com a ginga do Popeye (sabe aquelas pessoas que andam
como marinheiro, jogando os ombros? A Lílha Three Times inventou esse andar)...
E tem a voz do Gato Félix.
Sem exagero. A voz dela não é fina, é fina até quase não
existir. Imagine que o Gato Félix está no fundo de um poço de vinte metros, no
meio de uma floresta, pedindo por socorro. Esse é o som da voz dela.
Às vezes eu imagino a reunião familiar em que decidiram que
a Lílha ia cuidar da Japonesa-Mais-Velha-Que-o-Japão.
– Podemos mandar a Lílha.
– Mas a voz da Lílha não passa dos 09 decibéis.
– Mesmo?
– Sim. Ela fala sempre entre 05 e 08 decibéis.
– Paciência.
– E a Japonesa-Mais-Velha-Que-o-Japão é completamente surda.
– A Lílha pode gritar.
– Não sei se vai funcionar.
– Já está decidido.
Assim, decidiram que a Lílha iria morar aí para cuidar da
Japonesa-Mais-Velha-Que-o-Japão. E isso selou meu destino.
Quando ela se mudou para cá, alguns meses atrás, nós
finalmente descobrimos o nome dela. E não porque ela veio se apresentar, mas
sim porque eles gritam tanto na casa ao lado que nós já sabemos até o CPF de
todos os moradores.
O nome dela é Lílian. Mas como ninguém na casa ao lado sabe falar
a palavra Lílian (são muitos “l” e, além disso, termina com “n”, não pode ser
uma palavra normal), ficou Lílha.
Às vezes eu penso na etimologia disso. De Lílian foi para
Lília, e de Lília para Lílha.
Nascia, assim, Lílha Three Times.
O “Three Times” é a minha contribuição ao nome dela. Porque
o problema não é o fato da Japonesa-Mais-Velha-Que-o-Japão ser surda, ou da
Lílha Three Times não ter voz. O problema é que a Lílha Three Times é daquelas
pessoas que, ao perceber que a pessoa com quem ela está falando não escuta o
que ela diz, decide que a solução é ficar exatamente onde está, gritando
repetidamente até que algo aconteça.
Então, todas as frases que a Lílha fala precisam ser
repetidas três vezes. Então, todas as frases que a Lílha fala precisam ser
repetidas três vezes. Então, todas as frases que a Lílha fala precisam ser
repetidas três vezes.
– ESTÁ COM SEEEEEDE?
Em um dialeto oriental desaparecido, a
Japonesa-Mais-Velha-Que-o-Japão começa a gritar, provavelmente respondendo que
a janela está aberta.
– ESTÁ COM SEEEEEDE?
Em um dialeto oriental desaparecido, a
Japonesa-Mais-Velha-Que-o-Japão começa a gritar, provavelmente respondendo que
o gato ainda non comeu.
– ESTÁ COM SEEEEEDE?
Em um dialeto oriental desaparecido, a Japonesa-Mais-Velha-Que-o-Japão
começa a gritar, provavelmente respondendo que já son três horas e como o tempo
voa.
– EU VOU FAZER SUUUUUUCO!
Em um dialeto oriental desaparecido, a
Japonesa-Mais-Velha-Que-o-Japão começa a gritar, provavelmente respondendo que
quer ver TV.
– EU VOU FAZER SUUUUUUCO!
Em um dialeto oriental desaparecido, a
Japonesa-Mais-Velha-Que-o-Japão começa a gritar, provavelmente perguntando que
quem é você e por que está gritando comigo?
– EU VOU FAZER SUUUUUUCO!
Em um dialeto oriental desaparecido, a Japonesa-Mais-Velha-Que-o-Japão
começa a gritar, provavelmente respondendo que eu vou chamar a polícia.
– VOCÊ PREFERE LARANJA OU MARACUJÁÁÁÁÁ?
Em um dialeto oriental desaparecido, a
Japonesa-Mais-Velha-Que-o-Japão começa a gritar, provavelmente respondendo que
non vai ter golpe.
– VOCÊ PREFERE LARANJA OU MARACUJÁÁÁÁÁ?
Em um dialeto oriental desaparecido, a
Japonesa-Mais-Velha-Que-o-Japão começa a gritar, provavelmente respondendo que
como está calor hoje.
– VOCÊ PREFERE LARANJA OU MARACUJÁÁÁÁÁ?
Em um dialeto oriental desaparecido, a
Japonesa-Mais-Velha-Que-o-Japão começa a gritar, provavelmente respondendo que
está com sede.
É assim o dia inteiro. É assim o dia inteiro. É assim o dia
inteiro.
Ok. Parei.
Mas sem exageros, é assim o dia inteiro, desde a hora que a
manhã começa, quando ela prepara um copo de alguma coisa para a
Japonesa-Mais-Velha-Que-o-Japão. Eu não sei que merda ela dá para a mulher
beber, mas deve ser algo com a consistência de cimento, porque a Lílha precisa
ficar uns quarenta segundos mexendo aquilo no copo, e sempre batendo a colher
no vidro (o barulho é tão alto que às vezes eu me pergunto se ela não está
misturando o negócio com uma enxada).
E esse hábito dela ficar gritando até ser ouvida, sem que o
raciocínio “acho que a pessoa não escutou o que eu disse, então vou até onde
ela está falar com ela” apareça em sua cabeça vale para todas as conversas que
ela tem. Pode ser com a Japonesa-Mais-Velha-Que-o-Japão, pode ser com a outra
família que mora lá, pode ser com qualquer pessoa. Tudo ela precisa gritar três
vezes, porque ela é incapaz de perceber que os conceitos de “distância” e “ser
ouvido” estão diretamente relacionados.
Dia desses gritaram o nome dela no portão (porque é evidente
que eles não têm campainha, então as pessoas que chegam lá se anunciam batendo
palma ou gritando o nome de alguém). Eu estava sozinho em casa trabalhando e a
Lílha, com sua voz de Gato Félix no poço, gritou da sala. Claro que a pessoa
não ouviu, mas eu ouvi, porque todos os sons que eles fazem chegam aqui, porque
parece que meus vizinhos não mora, dentro da casa, mas sim em uma guarita ao
lado do muro.
– PODE ENTRAAAAAR!
– LÍLHA!
E eu no computador, socando a mesa.
– PODE ENTRAAAAAR!
– LÍLHA! CHEGAMOS!
E eu no computador, repetindo para mim mesmo que tenho quarenta
anos e não ia pegar bem subir no muro e jogar papel higiênico molhado na casa
dos vizinhos.
– PODE ENTRAAAAAR!
– LÍLHA! ABRE O PORTÃO!
E eu no computador, querendo arrancar meus olhos de ódio.
– PODE ENTRAAAAAR!
– LÍLHA! CADÊ VOCÊ?
– PODE ENTRAR, CARALHO!
Evidentemente, minha Esposa não sabe que eu gritei isso com o
tom de voz do Max Cavalera. Ou, pelo menos, não sabia isso até agora, que
coloquei no blog. Mas duvido que ela fique brava comigo. Ontem eu aproveitei um
intervalo entre um texto e outro e fiz um cochilo à tarde para escapar do calor.
Quando acordei, a Esposa estava visivelmente incomodada com algo. Quando
perguntei o que aconteceu, ela me explicou.
Parece que alguém estava no portão chamando a Lílha, mas a
Lílha estava... Bem, obedecendo ao imperioso chamado da natureza. Então, o seguinte
diálogo se seguiu:
– LÍLHA!
– EU ESTOU NO BANHEEEEEEIRO!
– LÍLHA! ONDE VOCÊ ESTÁ?
– EU ESTOU NO BANHEEEEIRO!
– LÍLHA! NÃO DÁ PRA TE OUVIR!
– EU ESTOU NO BANHEEEEEEEEEEIRO!
– LÍLHA! VEM ABRIR O PORTÃO! O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO?
E aí, Lílha Three Times revelou todo seu traquejo social e
revelou para toda a vizinhança que:
– EU ESTOU FAZENDO COCÔÔÔÔÔÔ!
Graças ao Bom Deus eu estava dormindo.
Mas estou seriamente pensando em ligar para a dona da casa e
pedir um abatimento no aluguel, alegando insalubridade. Claro que não vai
rolar, então já pensei num Plano B. Eu consigo fazer a voz da Lílha – ou, pelo
menos, uma voz parecida. Então, sempre que perguntarem por ela, eu vou
responder por conta própria.
– LÍLHA!
– ESTOU VENDENDO A MINHA AAAAALMA!
– LÍLHA, O QUE É ISSO?
– O PODER DE SATÃ ESTÁ COMIIIIIIGO!
– LÍLHA! VOCÊ ENLOUQUECEU?
– EU TENHO UMA FACA E JÁ SACRIFIQUEI UM BOOOOOODE!
– LÍLHA! QUE É ISSO? QUE BODE?
– ENTRA AQUI E PISA AQUI NO PENTAGRAMA DE SANGUE QUE EU
QUERO VEEEEEER!
Vai ser divertido.
Sou completamente a favor de subir no muro e jogar papel higiênico molhado na casa dos vizinhos. Sério mesmo. Você pode se esconder e ninguém vai saber quem foi.
ResponderExcluirO PODER DE SATÃ ESTÁ COMIIIIIIGO!
ResponderExcluirMuito bom! Muito Bom! Muito bom! (Three times, okay?) ;)
ResponderExcluirMe acabei de rir...
E eu chorei de rir aqui, foi o texto que mais demorei pra ler pq não dá pra enxergar com lágrimas nos olhos!
ResponderExcluirMinha sugestão é o combo gritar + responder por ela + responder pra ela. "Tá com sedeee?" "Tô, quero um copo aqui por cima do muro!"
Kkkkkk
Hahahahahahahaha caralho, Rob, pra variar me fez gargalhar no meio do escritório. Lembro bem do dia da "bomba da Copa", que estávamos conversando no quintal e o falecido vizinho achou que você tinha jogado a bomba...
ResponderExcluirEu não consigo "ouvir" esse último diálogo com uma voz fina... Mas acho que seria bem mais assustador.
ResponderExcluirTanto que... Sério, eu não sei Pq minha assinatura está assim. Eu me chamo Bruna.
Foi a Lilha. Se repetir mais duas vezes isso, ela aparece no banheiro... Fazendo cocô, talvez.
Lílha Three Times dá um nome de banda fantástico! Hehehe!
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