Foi um dia desses, num daqueles bares da moda. Você sabe de
qual bar estou falando. Grande, bem decorado e com pessoas tirando uma selfie
para cada gole de cerveja. Eu estava lá por causa de uma festa, vestido com a minha
tradicional roupa de criança: calça jeans, tênis e camiseta.
Foi só quando saí para fumar em determinado momento que
percebi que não estava com qualquer camiseta, e sim com aquela que tem
estampados o logo de A Noite dos Mortos Vivos e a menina zumbi do filme. Mas,
na verdade, não fui eu quem reparou na camiseta, e sim o sujeito que fumava ao
meu lado, que devia estar em algum lugar entre o oitavo e o décimo terceiro copo,
e se aproximou de mim.
– Achei sua camiseta maneira.
Precisei olhar para baixo para ver qual era a camiseta. Na
verdade, eu não apenas não sabia qual camiseta usava como nem havia reparado que ele
estava ali. Como eu estava sozinho e outras nove ou dez pessoas fumavam ao meu
redor, eu havia decidido passar o tempo fazendo uma espécie de competição,
vendo se a área dos fumantes (leia-se: calçada) tinha mais tatuagens de
estrelinha ou jacarezinhos da Lacoste (as estrelinhas estavam ganhando de seis
a três).
– Ah, obrigado, eu disse.
Tentei fazer com que minha frase soasse como “certo, adeus”,
mas fracassei miseravelmente. Na verdade, aparentemente o sujeito entendeu o meu
“Ah, obrigado” como “Nossa! Que mundo pequeno! Venha mais para perto para
podemos conversar e nos tornar melhores amigos!”
Foi o que aconteceu. Quer dizer, talvez não a parte dos melhores
amigos, mas sim o resto. Ele se aproximou e começou a conversar.
– Eu acho filme de zumbi muito louco.
Pensei em responder que “eu não gosto, mas ganhei essa
camiseta em uma rifa e tenho dó de não usar”. Mas algo me disse que isso ia
abrir a possibilidade de outros assuntos e apenas piorar minha situação.
– Sim, eu gosto também.
– Eu gosto de tipo... De todos.
Dei um gole na minha cerveja e uma tragada no cigarro
tentando pensar em responder qualquer outra coisa, e não aquilo que eu estava
pensando. Mas na metade da tragada desisti. Dei de ombros e disparei:
– Mas não estamos falando de todos os filmes de zumbi.
Estamos falando de Romero.
– Sim! Eu assisti a todos os filmes que ele, tipo, fez.
– Eu também.
– Eu assisti a todos, tipo, essa semana.
– Eu também.
Eu ignorei a parte do “essa semana”. Porque isso me
obrigaria a dizer que eu comecei a assistir os filmes do Romero quando tinha
catorze anos. Como hoje estou com quarenta, é o mesmo que pensar que quando eu
comecei a assistir os filmes dele os zumbis ainda eram vivos. Mas colocar as
coisas dessa forma seria uma sutileza grande demais para alguém com aquela
quantidade de álcool no corpo.
– Sim! O Romero é tipo o criador da coisa, né?
Olhei para ele e decidi me segurar.
– Isso.
– Por que... Tipo... Não tinha zumbis, tipo, antes do tempo
dele. Ele tipo inventou a coisa. Tipo, da cabeça dele.
Foda-se. Eu não vou me segurar.
– Na verdade, não. Os zumbis são antigos em algumas mitologias.
África, Caribe... Todas essas mitologias possuem zumbis. O que ele fez foi
atualizar esse mito e criar um zumbi moderno.
– Sóóóó!
No segundo “ó” do “sóóóó” eu já estava arrependido de não
ter me segurado.
Ficamos em silêncio alguns instantes. Ele devia estar
pensando aquelas coisas que bêbados que conversam com qualquer pessoa no bar
pensam, enquanto eu estava torcendo por um ataque de zumbis para empurrar o
sujeito para o meio da rua e usá-lo como isca enquanto eu corria para dentro do
bar. Evidentemente, quem voltou a falar primeiro foi ele.
– Ele é tipo muito foda.
– Sim.
– Sou muito fã. Ele é tipo... Tipo...
– ...
– Tipo...
– ...
– TIPO O LEONARDO DI CAPRIO DOS ZUMBIS!
Olhei para ele com calma. Quem sabe, estudando sua expressão, eu conseguiria ver qual percurso aquele assunto havia percorrido pelos seus neurônios, e assim identificar em qual sinapse haveria um desvio, com uma placa indicando dois caminhos. Uma flecha para a esquerda apontaria "Continuar o assunto de forma normal", enquanto a da direita mostraria que "Siga por aqui para comparar George Romero com Leonardo Di Caprio".
Mas era impossível ver algo ali. Olhei em seus olhos e... Bem, não havia nada ali. Nem placa, nem desvio. Na verdade, nem mesmo neurônios pareciam existir ali. Talvez um punhado deles, mas apenas isso, e todos completamente bêbados tentando construir uma frase que não usasse a palavra "tipo".
Mas era impossível ver algo ali. Olhei em seus olhos e... Bem, não havia nada ali. Nem placa, nem desvio. Na verdade, nem mesmo neurônios pareciam existir ali. Talvez um punhado deles, mas apenas isso, e todos completamente bêbados tentando construir uma frase que não usasse a palavra "tipo".
– Oi?
– É! Ele é foda. Tipo, foda demais.
Olhei para o lado, na direção do meu amigo imaginário. Sim,
eu tenho um amigo imaginário: ele é vulcano e ocupa o cargo de oficial de
ciências em uma nave da Federação. E meu amigo imaginário estava ali,
analisando o bêbado ao meu lado com seu tricorder. Quando terminou, olhou para
mim e disse apenas “fascinante”. E, claro, sem demonstrar emoção alguma.
– Tipo o Leonardo Di Caprio dos zumbis?
– Isso. Tipo... Foda demais.
– Certo. Olhe, eu vou entrar. Mais tarde a gente conversa.
– Beleza! Eu vou tipo estar aqui.
– Certo. Foi um prazer.
E voltei para dentro do bar. Na porta, quase esbarrei em uma
garota com tatuagem de estrelinha no pulso que estava saindo para fumar
(aproveitei para atualizar o placar, que marcava agora sete a três). Fui para minha mesa, pensando que é melhor começar a sair de casa com camisetas sem
nada escrito.
No meio do caminho, eu já havia mudado de ideia. Talvez
fosse melhor não sair de casa. Tipo, nunca.
Muito Bom. Realmente eu as vezes acho que não sair é a melhor do quel qualquer outro TIPO de opção.
ResponderExcluirSóóóó!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirO foda é que o mais estúpido comentário inteligente de um bêbado que eu já ouvi (ou vice versa).
ResponderExcluirOs bêbados que conversam comigo em geral usam uma variação arcaica do Klingon. :(
Quando você citou o amigo imaginário, um vulcano, me lembrei do meu ( eu tb tenho) que é um gargula com asas de 90 cm , e tá sempre com um sorriso sarcástico ( pra mim, não para os outros) e nunca fala nada.
ResponderExcluirTipo me identifiquei com o texto
O foda é que o mais estúpido comentário inteligente de um bêbado que eu já ouvi (ou vice versa).
ResponderExcluirOs bêbados que conversam comigo em geral usam uma variação arcaica do Klingon. :(
Se eu fosse o bêbado o Romero seria, tipo, o Tarantino dos Zumbis! Hahahaha!
ResponderExcluirPessoal,dêem uma olhada no meu blog www.manifestoirracional.blogspot.com.br
Não sou profissional como o Rob, mas fui inspirado por ele por meio do Gente que Escreve. Nota 1000
Essa foi uma daquelas comparações que só a mente de um bêbado consegue ter...mas na verdade, acho que tinha algo de mais estranho nesse especíme...rs.
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