Foi agora, coisa de meia hora atrás. Fui fumar na frente da
casa e dar uma olhada na rua, como faço toda manhã. Estava na terceira ou
quarta tragada no cigarro quando ele apareceu do outro lado da rua. Era alto,
magro e aquele andar que parecia temperado por duas ou três doses a mais de
álcool.
Olhou para mim e fez o sinal da vitória com os dedos. Eu
acenei de volta. Para um espectador desavisado, parecia apenas isso: um sujeito
fazendo o sinal da vitória para o outro. Mas, para alguém mais atento – e eu vou
tomar a liberdade de me incluir nesse grupo – toda uma conversa foi travada por
meio desses sinais. Um louco olhando para mim e fazendo o sinal da vitória foi o
modo que o universo encontrou de mostrar que “nós já sabemos onde você está e
não vamos deixar você em paz ao longo desse ano”. Meu aceno, por outro lado,
foi apenas um “eu sei” conformado.
Assim, quando terminou minha conversa entre eu e o cosmos,
foi a vez de começar minha conversa entre eu e o louco.
– Amor, saúde e paz!
Seu tom de voz mostrou que eu estava errado a respeito
da quantidade de álcool em seu corpo. Não eram duas ou três doses a mais,
estava mais para cinco ou seis. E, como eram dez e pouco da manhã, a única
dúvida que sobrava era se ele “já estava bêbado” ou “ainda estava bêbado”.
Eu acenei mais uma vez e gritei um obrigado, torcendo para
que a conversa terminasse por ali, mas eu sabia que não podia criar muita
esperança. Acho que me senti um pouco como o goleiro de um time amador que faz um
amistoso contra o Barcelona: com dois minutos de jogo, os caras fazem um gol. A
partir daí, tudo o que resta é torcer para que as coisas acabem logo, mesmo
sabendo que aquilo é só o começo.
– Saúde, saúde, saúde!
Pensei em gritar “amor, amor, amor” como teste, para ver se
ele gritaria “paz, paz, paz”, mas achei melhor não. Apenas acenei novamente e
agradeci, desejando que “para o senhor também”. Agora as coisas deviam acabar.
Um “para o senhor também” costuma encerrar conversas desse tipo. Todo final de
ano é assim. A pessoa deseja “feliz ano novo”, você responde “para você também”
e vai cada um para o seu lado, ambos passando o resto do ano sem lembrar que o
sujeito existe.
Mas não, o Barcelona queria mais e resolveu atacar com o
time inteiro.
– Porque o que importa é saúde! Saúde em primeiro lugar,
sempre!
Achei um pouco assustador esse tipo de coisa. Será que eu estou
tão acabado que vou começar a tomar sermões sobre saúde de um sujeito que está
de fogo dez e pouco da manhã? Mas achei melhor não entrar nesse assunto, porque
eu me conheço. Se eu entrar no assunto bebida, as chances de eu, em meia hora,
estar no bar com o sujeito tomando a terceira caninha e procurando um jeito de
ir embora são bem grandes.
– É mesmo, eu respondi, acenando mais uma vez e torcendo
para que ele acenasse de volta e encerrasse a conversa.
Mas não. Ele não acenou. Apenas fez uma dancinha – que eu
imagino que seja a Dança da Saúde em Primeiro Lugar no lugar onde ele nasceu –
e sorriu para mim. Quem também sorriu foi o velho que passou pela rua nessa
hora. Olhou para a dancinha e olhou para mim. E começou a rir. E quando eu
olhei para ele com uma cara de “olhe, eu sei que parece que o sujeito está
dançando para mim, mas apenas moro aqui e vim fumar um cigarro”.
O velho foi embora rindo e a dancinha acabou. Eu acenei mais
uma vez, determinado a encerrar a conversa, mas ele ainda tinha algo para me
dizer. Pela expressão dele, que de repente se tornou séria, era algo muito
importante.
– O Sergião foi para Bahia, mas volta no final do mês. Eu
estou no lugar dele.
– Ah, sim!, eu respondi, sem imaginar quem diabos é Sergião.
Ele acenou para mim e eu acenei para ele. Aparentemente, havia
acabado.
Mas, antes que eu pudesse me virar e entrar em casa, ele
gritou:
– Amor, saúde e paz!
Puta que pariu, ele ia começar tudo de novo. Não tive
dúvidas. Dessa vez, acenei de volta e nem esperei uma resposta. Dei meia volta e
andei apressado para dentro de casa. Sentei no sofá e fiquei alguns minutos refletindo
sobre o ano que me espera.
E o pior foi me lembrar do Sergião, que a essa altura está
na Bahia, de bermuda e chinelos, tomando cerveja na beira da praia.
Fazia tempo que eu não escrevia um post dessa série, em que narro os meus encontros com os loucos que andam pelas ruas de São Paulo disputando quem será o primeiro a descobrir onde estou. Você pode ler todos os posts da série, que normalmente são curtos e completamente insanos, aqui.
6 comentários:
Tentou sair da situação com o aceno jedi, não dá certo.
O substituto do Sergião lançou a isca da prosa mas você se desenroscou bem!
O problema é que esse lance jedi não dá certo com todos os seres da galáxia hehehehhe
Amor, saúde e paz! :D
E viva o Sergião que tá lá de boas, curtindo good vibes. rs
Olá, Rob!
Fui um leitor assíduo do seu blog lá pelos idos de 2008 ou 2009, mas por algum motivo que me foge à memória, parei de lê-lo.
Hoje, porém, lembrei-me que "antigamente" eu gostava de ler um certo blog laranja-e-branco com um nome estranho, com uma imagem do robô Marvin decorando o topo, feito por um cara com um nome estranho que escrevia crônicas. O problema foi achá-lo no Google, já que eu não me lembrava de absolutamente nenhum nome. Até que, minutos depois, me vem à mente Besta-fera! Este cão salvou o meu dia. Graças a ele (e às palavras-chave "carta aberta") pude encontrar teu blog novamente.
A qualidade dos textos continua excelente, espero que continue escrevendo. Abraços!
Hahahahahahahah!
Feliz ano novo, Rob. Não tem jeito de ser diferente. O jeito é aceitar mesmo.
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