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4 de dezembro de 2015

Sonhos de Kurosawa Gordon XIV

Eu estava andando pela minha casa, mas havia algo de errado. Todos os aposentos estavam onde deviam estar, mas eu não os reconhecia totalmente, era como se tivesse algo – um detalhe – de errado. E eu pensei que isso era engraçado, já que eu moro aqui há pelo menos dois anos e eu já devia conhecer o imóvel.

Mas não tive tempo de pensar nisso, pois ouvi uma briga. Era minha Esposa, no nosso banheiro, reclamando alguma coisa a respeito do meu enteado. Fui até a porta do banheiro para falar com ela e, assim que coloquei a cara na porta, vi que realmente existia alguma coisa de errado na casa.

O banheiro estava onde deveria estar e era um banheiro, mas não era o meu banheiro. Seu teto agora era na diagonal, como se ele ficasse abaixo de uma escada – que não existe – e ele devia ter uns oito, quase dez metros de profundidade. Lá no fundo, caixas e mais caixas empilhadas.

A Esposa estava andando lá dentro, visivelmente irritada com alguma coisa. Pelo que entendi, meu enteado não fazia mais nada na vida a não ser ver coisas referentes a pugs japoneses. Eu tentei acalmá-la, dizendo que ele é moleque, é assim mesmo e logo passa e aquelas coisas que você fala numa situação dessas. Mas não adiantou.

Ouvi a porta da sala abrindo e, imaginando que fosse meu enteado, decidi resolver a situação. Disse que iria falar com ele e esperei até que ele passasse pelo corredor. Depois de alguns segundos, ele apareceu. Carregava uma mochila que parecia estar cheia e eu estranhei, pois até onde eu sabia, ele já estava de férias. Mas o que me chamou a atenção foi o que ele tinha na mão: uma garrafa de vinho branco gelada, que ainda estava lacrada.

Antes que eu falasse algo, ele abriu a garrafa de vinho, deu um gole. Foi quando eu percebi que ele não estava exatamente sóbrio.

– Então, some com essa garrafa porque senão não consigo defender você.

– É só vinho.

– Esconde essa merda.

A garrafa sumiu das mãos dele, e eu perguntei.

– Esse negócio dos pugs japoneses. Você gosta disso?

– Sim, ele respondeu, dando de ombros.

Voltei para a porta do banheiro e chamei minha Esposa.

– Olhe, ele disse que gosta do negócio. Isso para mim basta.

– Mas ele está indo mal na escola.

– Eu sei. Mas se ele gosta do negócio...

Minha Esposa começou a subir o tom de voz, e falou algo que não fez sentido. E foi isso que eu apontei:

– O que você está falando não tem a ver com a discussão.

Ela subiu o tom ainda mais.

– Então você está falando que eu não sei me expressar?

– Não. Você apenas não se expressou bem agora, só isso.

Um tom mais alto.

– E você acha que se expressa melhor que eu?

De repente, eu vi que estava no pior cenário possível, aquela situação onde uma briga tem uma frase que parece ganhar vida própria e vira uma discussão com potencial para se tornar maior que a briga original e que normalmente termina com uma briga onde ninguém mais sabe o motivo.

– Não, eu disse isso.

– Sim, foi o que você disse.

– Olha, o que está acontecendo é mais ou menos como aquela música do Paralamas do Sucesso, sabe?

Ela olhou para mim e eu comecei a cantar.

Eu presto atenção no que eles dizem, mas eles não dizem nada...

E foi só no primeiro verso que eu percebi que aquilo não era Paralamas, era Engenheiros. Mas rapidamente me corrigi:

– Não, desculpe, não era essa música. Desconsidere isso na discussão. Eu queria cantar aquela que começava com “eu quis dizer, você não quis escutar”. Desculpe, eu provavelmente acessei o arquivo errado. Como as músicas estão muito desorganizadas no meu cérebro, e eu sei que preciso arrumá-las, eu devo ter buscado a música pela palavra “diz”. Nem lembrei que o Engenheiros tem uma música com “dizem”.

Ela não me ouviu. Eu havia escolhido a música certa. Eu estava tentando dizer, mas ela não queria me escutar. Ao invés disso, começou a gritar.

E eu decidi que era hora de ir embora, antes que a discussão piorasse.

Abri os olhos e sentei na cama. Naquele pequeno espaço onde sonho e realidade ainda se misturam, fiz – conscientemente – um gesto de “foda-se” e disse para mim mesmo:

– Então fica aí brigando sozinha no seu sonho que eu vou levantar.

A casa estava como eu me lembrava. Fui até a sala e encontrei minha Esposa. Não havia sinal de briga. Me sentei ao lado dela e disse:

– Acho que eu prefiro você aqui, no mundo real.

– Oi?


– Nada. Vou beber Coca e começar a arrumar minhas músicas.

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