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22 de dezembro de 2015

Exclusivo: Entrevistamos o Menininho dos Posts Politicamente Corretos do Facebook

Seja dentro de um ônibus, num vagão de metrô ou passeando pela rua ao lado do avô, você certamente já o viu antes. Mas nunca num metrô, ônibus ou na rua, e sim no Facebook. Nos últimos meses, é quase impossível não acessar a rede social sem encontrar o trabalho do ator Rui Fernandes.

Pouca gente conhece seu nome, mas todos conhecem seu personagem mais famoso: o menininho politicamente correto que aparece em relatos e mais relatos vendidos como reais nas redes sociais. Com uma carreira em televisão e teatro, o ator, que completou quarenta um anos recentemente (mas aparenta ter seis anos graças a uma rara doença conhecida como Síndrome de Highlander), viu sua carreira decolar de verdade no Facebook, especialmente graças aos milhões de pessoas que não apenas compartilham suas histórias como ainda acham que é verdade.

Nesta entrevista exclusiva, ele conta mais sobre seu trabalho, o relacionamento com Carlos, o ator famoso por interpretar seu avô machista (ou homofóbico ou preconceituoso – sua identidade muda de acordo a pauta do dia nas redes sociais) e assume: no Brasil, Facebook dá mais prestígio que teatro.

Quantos posts de Facebook você fez este ano?
[Pensa antes de responder]. Acredito que... Onze? Não, doze. Isso. Doze. Foram oito feministas, três sobre homofobia e um político. Na verdade, seriam treze, pois fiz dois posts políticos agora em dezembro. Mas como um deles só será publicado em janeiro, então esse não conta. Doze.

Como você vê a repercussão enorme que esses posts têm alcançado?
Acho que isso é fruto de vários fatores. Os textos são muito bem trabalhados, sempre com uma lição que normalmente fica comigo porque eu interpreto a criança, então tem mais impacto e gera mais empatia. Mas acho que o principal fator do sucesso é que hoje em dia as pessoas querem dizer algo, mas não sabem como.

Como assim?
Na verdade, não é que elas querem dizer algo, elas acham que precisam dizer algo. Se todo mundo está falando sobre um assunto, a pessoa se sente obrigada a falar também. Aí ela encontra um texto que parece real e tem uma mensagem bonita. Pronto. Tudo o que ela precisa fazer é compartilhar.

Virou um gênero?
Isso. No cinema você não tem o filme de super-herói? No Facebook, você tem o texto do menininho politicamente correto. É o que vende hoje. As pessoas querem consumir isso.

Mas diferente do filme de super-herói, as pessoas acreditam que as histórias do menininho politicamente correto são verdadeiras.
Ah sim, é isso que torna a história ainda mais forte. O roteiro é todo pensado para esse formato... Mas eu acho que... Não sei... [pensa] Eu acho que se a pessoa lê uma história sobre eu discutindo com meu avô machista no metrô e acredita que aquilo é verdade, não é só mérito do roteiro. Provavelmente é porque ela quer acreditar que aquilo é verdade. Acho que faz bem para ela.

Mesmo quando ela sabe que é mentira?
Mas a história nunca é mentira. Você nunca conseguiria provar.

Como assim?
Isso é algo que a gente toma muito cuidado no roteiro. Pode reparar: as histórias se passam dentro de um ônibus, no metrô, num shopping qualquer... Sempre num lugar que não é identificado com exatidão, mas que ao mesmo tempo, tem centenas de pessoas. Ou seja, se a pessoa ler e pensar que “ah, eu estava no metrô nesse dia, nessa hora, e não vi nada disso”, ela sempre vai achar que é porque estava em outro vagão.

Alguma das histórias que você trabalhou é verdadeira?
Não posso responder isso por contrato.

É que você deu a entender que elas são mentiras.
Não. Eu apenas falei da construção do roteiro. Eu não disse se ele é baseado em um fato real, ou se foi inventado por alguém que estava no Facebook e não tinha mais o que fazer. Você que está deduzindo isso.

Alguém já acusou de ser mentira?
Algumas pessoas. Mas é o que eu falei: você não pode provar que é mentira. A gente toma muito cuidado com isso. Você já reparou como nenhuma história que se passa no metrô tem o número do vagão? Ou, às vezes, quando aparece o segurança, nunca tem o nome do segurança? Mas não só é esconder localização e horário... O diálogo conta muito. Ele precisa ser real. Muitos roteiros pecam nisso, e colocam a criança falando como adulto. Detesto isso.

Como assim?
É assim: como eu interpreto um menino de seis anos, eu preciso falar como um menino de seis anos. E muitas vezes o roteiro está tão preocupado em criar uma mensagem bonita que as pessoas se esquecem disso, que os meus diálogos precisam parecer reais, senão ninguém vai acreditar. Pouca gente sabe disso, mas muitas vezes o roteiro é mudado de última hora.

Você tem alguma história assim?
Um dos primeiros posts que apareci... Era um texto sobre preconceito e se passava num ônibus. Um dos personagens era um negro que estava no banco ao lado e o Carlos, que interpreta meu avô, reclamava algo sobre Jesus não gostar de pretos. E eu respondia que “mas vovô, se Jesus nasceu no Oriente Médio, ele também não era negro?” e as pessoas aplaudiam. Era uma ideia ótima e o roteiro até tomava o cuidado de fazer o meu avô usar a palavra “preto”, e eu falar “negro”. Era um roteiro todo pensado em compartilhamentos, mas não parecia real.

Por quê?
Porque eu fazia um menino de seis anos. E um menino de seis anos jamais teria essa visão de “quem nasce no Oriente Médio não é branco”. Um menino de seis anos não sabe o que é Oriente Médio. E eu conversei isso com os roteiristas, expliquei e eles entenderam. O roteiro foi mudado e na versão final, eu respondi que “mas vovô, Jesus gosta de todo mundo e ele gosta até mesmo do senhor, que não gosta de negros”. Ficou mais real.

Mas na história real o garoto dizia isso?
Não sei.

Esse post foi baseado em fatos reais?
[silêncio].

Você mencionou o Carlos, que sempre interpreta seu avô. Quantos posts no Facebook vocês já fizeram juntos?
Não lembro. Uma meia dúzia, talvez mais. Temos uma química boa. É engraçado que ninguém percebe que o personagem dele é mais importante que o meu. Porque eu sou apenas o contraponto. Se ele é machista, eu sou feminista. Se ele é reacionário, eu sou de esquerda. E ele faz esse papel com um talento que nunca vi antes. Ele realmente encarna o personagem nos posts, seus diálogos são sempre com ódio, com rancor...

O engraçado é que ele normalmente interpreta um velho machista ou homofóbico, mas ninguém desconfia que, na vida real...
Sim, nem passa pela cabeça das pessoas que o Carlos é gay. Acho que isso é outra prova do talento dele.

Vamos falar um pouco de você. Você está com quantos anos?
Fiz quarenta e um agora em novembro.

E você aparentar ter seis anos...
É algo que a ciência ainda não conseguiu explicar direito. [acende um cigarro]. Posso fumar? Alguns chamam de Síndrome de Highlander, outros de Síndrome de Peter Pan. Não sei, para mim é algo normal. Você se olha no espelho todo dia e não vê nada de diferente, certo? É o mesmo comigo.

Mas com isso sua carreira ficou baseada na sua aparência.
Sim. Mas é engraçado que ninguém percebe isso, a não ser quando eu converso com a pessoa, como aqui, com você. As pessoas me olham na rua e acham que eu tenho seis anos de idade, e algumas até estranham o fato de eu estar andando sozinho.

Mas ninguém reconhece você na rua?
Você já viu um post como os que eu trabalho com foto? Foto das pessoas, do metrô, da loja de brinquedos? É engraçado isso: hoje, eu sou um dos atores mais famosos do país, mas ninguém sabe que eu sou ator. Acham que sou um menino de seis anos. E como ninguém sabe como é meu rosto... Isso é meio mágico.

Isso ajuda o post a parecer uma história de verdade?
[silêncio]

Você nunca havia feito tanto sucesso antes?
Não. Eu sou ator há vinte anos. Fiz muitos comerciais, sempre como a criança, claro. Teve ano que cheguei a fazer três comerciais diferentes somente na época do Dia das Crianças, porque eu era a única criança que conseguia decorar o texto, já que todas tinham seis anos e eu tinha vinte e três, vinte e quatro [risos]. Fiz pontinhas em novelas, mas coisas pequenas. Aí fui para teatro... Mas teatro aqui é difícil. Você não tem reconhecimento, financiamento... É difícil demais.

E aí surgiu o Facebook.
Isso. Me chamaram para fazer um texto, era sobre machismo. Eu fui, porque era diferente, nunca tinha feito posts de Facebook. E me apaixonei. O ritmo de trabalho, o cuidado com o texto... Adorei. Hoje, não penso em fazer outra coisa.

E tem mais alcance que teatro...
Ah, sem dúvida. Você se lembra do texto da cruzada de pernas? [Nota: ele se refere a um dos maiores sucessos de sua carreira, quando interpretou o garoto que cruza as pernas no metrô e o avô diz que aquilo é coisa de mulher, para logo em seguida todos os homens do metrô cruzarem as pernas em protesto]. Eu fiz peças de teatro que não venderam tantos ingressos quanto aquele texto teve de compartilhamentos.

Mesmo sem ser verdade?
[silêncio]

Quais seus planos futuros?
Continuar no Facebook. Esse ano agora, 2016, tem eleição, vai ter muito trabalho. Já me avisaram que dois partidos querem peças conosco. Uma delas sobre as ciclovias em São Paulo, a outra não posso falar, porque ainda não assinamos o contrato. Mas antes disso tem Páscoa. Páscoa sempre tem muito trabalho. O telefone aqui não para de tocar, com as pessoas querendo que eu apareça em posts sobre Kinder Ovo.

Kinder Ovo?
Sim, por causa daquele negócio do Kinder Ovo embalagem de menino e embalagem de menina, sabe? Todo ano eu trabalho em dois ou três posts pedindo o ovo de menina, para desespero do Carlos que tem medo que eu, como neto dele, me torne gay. [gargalhadas]

Então nós ainda vamos ver muito o menininho politicamente correto no Facebook?
Espero que sim.

Algum tema de post que você ainda não tenha feito?
Veganismo. Mas acho que deve acontecer logo, está na moda.

Como seria esse post?
Não sei. Eu imagino que aconteceria num mercado. Eu brigaria com meu avô, dizendo para ele que o abate de gado é cruel e sanguinário. E claro que todos os outros clientes iam começar a bater palmas e a devolver as carnes no açougue.

Mas isso seria ficção.
Será? Como você sabe que essa história não está acontecendo agora mesmo, e um dos clientes ficou tão emocionado com minha atitude que resolveu escrever no Facebook?

É porque ela parece um pouco forçada...
Bom, ela pode acontecer de forma diferente. Lembre-se que não sou roteirista.

Você não tem medo de que, ao ler essa entrevista, as pessoas deixem de acreditar nos posts que você aparece? Que elas leiam o post e pensem “isso aqui é mentira, a história é ficção, o menininho é um ator”.
Não. É o que eu disse: a pessoa quer acreditar. Se você chegar a ela e dizer que “olha, essa história é mentira por causa disso, disso e disso”, ela não vai ouvir. Vai continuar achando que é verdade e compartilhar como se fosse verdade. Isso vale para qualquer assunto. Política, tudo. A pessoa não acredita no que parece ser verdade, ela acredita naquilo que ela quer que seja verdade.

Mesmo se for mentira?
Sim. Especialmente se for uma mentira bem contada. Mas tem gente que acredita em mentiras mal contadas também.


Alguns dos seus posts é uma mentira bem contada?
Não. São histórias bem contadas. Mais que isso eu não posso dizer, por contrato.


(Assim como a maior parte dos posts estrelados por esse ator, essa entrevista é uma obra de ficção. A diferença é que, ao contrário dos posts, aqui isso é assumido.)

7 comentários:

  1. "Síndrome de Highlander"
    I saw what you did there. xD

    Todo mundo quer uma história bonitinha. Ninguém quer dizer algo relevante...

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  2. Cara, você estraçalha. Meu aplauso de pé pra você!

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  3. Palmas para "entrevista". E palmas para Elise Garcia, com o comentário "Todo mundo quer uma história bonitinha. Ninguém quer dizer algo relevante...".

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  4. Adorei a entrevista, Rob! Acompanho e curto o Garoto no Facebook há quase 3 anos e já compartilhei muitas histórias. Pode acreditar!
    O objetivo do artista não é disseminar informação verdadeira ou jornalística. Tal como a Autobiografia pessoense, sempre foi (trans/de/re)formar, fazer pensar, provocar a reflexão. Se quer, ao fingir, mostrar a dor (amor/humor) que deveras se anda a sentir. Grande abraço!

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  5. Anônimo12:27 PM

    Qual o link do facebook?

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