“Não engole. Não engole. Não engole. Cospe. Não engole. Não engole. Não engole. Cospe. Não engole. Não engole. Não engole. Cospe.”
Barulhos.
Eu tenho um grande problema com barulhos. Quem acompanha
esse blog sabe disso. A minha tolerância com barulhos diminui na mesma
proporção que meu cansaço (ou minha lista de coisas para fazer) aumenta.
Existe um ditado que diz que “aqueles que não se lembram do
passado estão fadados a repeti-lo”. Bom, toda regra tem uma exceção e, neste
caso, a exceção sou eu. Porque eu lembro (e entendo) o quanto detesto barulho,
mas mesmo assim estou preso dentro de um limbo insuportavelmente barulhento.
Aliás, parece que barulhos me perseguem. Se eu fosse o
personagem principal do filme Alien – O Oitavo Passageiro, provavelmente o
slogan do filme seria “No espaço, ninguém vai ouvir você gritar... Menos o Rob
Gordon, e especialmente nas horas que ele estiver escrevendo ou dormindo, então
grite, mas grite com força, só para sacanear o babaca”.
E esse é um dos pontos negativos da minha casa. Eu adoro
essa casa, mas se um dia as pessoas barulhentas decidirem montar um país, eles
certamente vão decidir escolher a minha casa como sua capital. Afinal, a minha
casa é barulhenta, mas nem é esse o problema. O problema é que tudo ao redor
dela é barulhento.
É mais ou menos assim: logo que eu mudei para cá, fiz um
post contando como eram meus vizinhos. Na casa à esquerda a minha temos a
japonesa mais velha que o Japão – mãe do Bruxa do Kurosawa, que faleceu anopassado. Ela é completamente surda, então qualquer pessoa que se comunica com
ela precisa gritar. Até aí, tudo bem, eu dou um desconto.
O problema é que outra família mora ali – e eles também
gritam entre si. Então, quando alguém fala com a japonesa tem gritaria, quando
a japonesa fala com alguém tem gritaria, quando alguém da outra família fala
com qualquer pessoa no universo tem gritaria.
Mas acho que o pior momento é quando alguém chega para
visitar a outra família. Como eles não têm campainha – e é mais fácil gritar que mandar um sms ou coisa do tipo – a pessoa começa a gritar no portão
até que alguém da outra família escuta e grita que já vai e a velha japonesa que
ouviu alguém falando começa a gritar querendo saber o que está acontecendo a
japonesa que hoje cuida dela começa a gritar para a velha japonesa que não é
ninguém que ela conheça e a pessoa da calçada grita que está com pressa e a
velha japonesa grita que tem sim alguém na porta e a pessoa da porta grita que
não pode esperar muito e a mulher da outra família grita que está lavando roupa
e já vai é só um minuto e a velha japonesa continua gritando querendo saber
quem é e a japonesa mais nova começa a perguntar se ela quer comer, e a pessoa
no portão grita que não, não posso ficar para o almoço, e a mulher da outra
família....
E eu em casa, tentando escrever.
“Ah, mas é uma casa só.”
Não, não é. Na casa do outro lado as pessoas são mais
quietas... Com exceção de um dos filhos, que é uma encarnação do Vavoom, aquele
pequeno esquimó que derrubava montanhas no grito no desenho do Gato Félix. A
casa está completamente em silêncio, e de repente o Vavoom resolve brincar de
grito. Algumas crianças brincam de esconde-esconde, pega-pega, barra manteiga,
o que for... O Vavoom não. Ele só gosta de brincar de grito.
Então, ele grita na casa dele e meus gatos quase enfartam
aqui; ele grita de novo e meus brinquedos caem do armário; ele grita mais uma
vez e a japonesa da casa ao lado começa a gritar querendo saber o que é isso e
a japonesa mais nova grita de volta dizendo que nada e a japonesa começa a
gritar para a mulher da outra família se ela ouviu alguém gritando e a mulher
da outra família grita dizendo para a japonesa gritar mais alto porque ela não está
ouvindo uma palavra porque o Vavoom está gritando e a japonesa mais nova começa
a gritar querendo saber quem é Vavoom e a japonesa mais velha grita que a nova
não sabe de nada e o Vavoom grita e as telhas da minha casa caem e a mulher da
outra família grita querendo saber o que tinham perguntado para ela e meus
cachorros começam a latir e todos começam a gritar mais alto por que meus
cachorros estão latindo.
Sério, tem dias que eu penso em fugir para um hotel.
“Ah, mas a gritaria é só nas duas casas do lado da sua”.
Sim, admito que sim. Quer dizer, descontando os ônibus que
passam aqui em frente, sim.
Ou, ao menos, era o que eu achava.
Porque de umas semanas para cá existe uma coalização
internacional, já que a igreja do outro lado da rua entrou em cena. Então, a
coisa se tornou quase a III Guerra Mundial. De um lado, temos o Eixo, com a
Casa dos Japoneses, o Vavoom e a Igreja. Do outro lado, estão os aliados,
compostos por... Bem, por mim.
Agora, nos últimos dias parece que a Igreja resolveu tomar à
frente no conflito. Porque, na verdade, a igreja sempre fez barulho, mas era
apenas o bingo. E que já era meio incômodo, já que ele acontecia em uma sala
cuja janela fica de frente para minha casa e eu conseguia ouvir tudo.
Às vezes, eu ia fumar lá fora e ficava ouvindo o sorteio –
que é a coisa mais arrastada do mundo. Como a idade média dos participantes do
bingo é de cento e trinta e nove anos, a velocidade da coisa é devagar-quase-parando,
porque senão as pessoas se perdem.
– Número trinta e um. Trinta e um. Primeiro o três, depois o
um. Trinta e um. É o que vem depois do número trinta, que é um número três e um
número zero. Este é um número três e um número um, é o trinta e um. Agora...
Número catorze. Catorze. Catorze. Catorze. Número um e depois o número quatro.
Catorze.
Acho que eu nunca aprendi tanto sobre os números. Era como
assistir (ao vivo) uma versão católica dos Teletubbies – mas sem o visual de
terra devastada pós-hecatombe nuclear e o horripilante Sol-Bebê. Na verdade,
algumas vezes chegava até a me fazer mal. Na metade do cigarro, meu cérebro
estava derretendo. Eu voltava para casa e a Esposa:
– O que vamos jantar hoje?
– De novo!
– Oi?
– De novo! O coelho!
– Que coelho?
– Oiiiii!
– Você estava ouvindo o bingo de novo?
– Coelho!
– Você sabe que não pode ouvir isso!
– Número três! Um. Dois. Três. De novo!
E eu precisava de horas até voltar ao normal.
Mas, ultimamente, tudo piorou. Parece que a igreja agora tem
um coral, que fica o sábado inteiro ensaiando – adivinhem? – na sala cuja
janela fica de frente para casa. E vocês acham que eles cantam a Nona de
Beethoven? Ave Maria de Schubert? Evidente que não.
Na verdade, eu acredito que é um trabalho em progresso,
batizado de “Concerto para Coral para Enlouquecer o Rob Gordon”, que é uma espécie
de releitura das músicas do Umagumma do Pink Floyd feita pelo Chatotorix.
Mas, com o tempo, a composição começou a fazer sentido.
Comecei a identificar um trecho aqui, outro ali... E, finalmente, consegui
compreender a música. E é uma coisa meio assustadora, algo que faria a música
tema do Profecia apagar todas as luzes de casa e se esconder dentro do armário
chorando de pavor.
Sem exageros, ela é horripilante, uma espécie de trilha
sonora de pesadelos. E isso me faz pensar o que acontece dentro daquela igreja.
Acho que se um dia eu criar coragem e escalar a caverna, o que vou ver é mais
ou menos isso.
Dizem que quando o mal aparece todas as criaturas ficam em
silêncio. E é isso que vem rolando aqui: o coral da igreja começa com o culto e
todo o resto se cala de pavor. A japonesa não grita mais, as visitas na casa do
vizinho não aparecem, o Vavoom para de brincar. Todos eles pressentem o mal. Os
cachorros são os primeiros a se esconder na casinha.
Menos eu, claro, que fico fumando lá na frente e tentando
ver se já arrancaram o coração de algum infiel. Nunca vi nada, mas tenho
certeza que é apenas uma questão de tempo – e não vejo a hora de acontecer uma
nova festa junina na igreja, para prestar atenção de verdade nos pratos:
sanduíche de pernil com cobras vivas, pastel com olhos humanos.
Aliás, acabou de me ocorrer que eu preciso prestar atenção
nos prêmios do bingo. Porque eu sempre achei que fossem coisas como, sei lá, panela,
rádio portátil e pipoqueira elétrica. Mas, desde que o coral começou, tenho a
sensação de que as prendas são adaga com aço temperado com sangue de virgens,
bonecos de vodu legítimos – o grande prêmio da noite, aquele que os velhinhos
do bairro devem torcer para ganhar, é uma cabeça de carneiro que pode ser usada
para rituais ou apenas para beber o sangue dos seus inimigos em momentos de
lazer.
Mas, pelo menos, eu sei que os problemas são apenas aos
domingos. Nos outros dias, eu acordo e a japonesa está gritando, a japonesa
mais nova está gritando com ela, a mulher da outra família está gritando para
elas gritarem uma de cada vez porque senão ela não entende nada, o Vavoom está
derrubando paredes e meus cachorros estão latindo.
E eu sei que estou seguro.
Não estou conseguindo escrever (nem ver TV, nem dormir). Mas
estou seguro.
PS - Se você não entendeu a primeira frase desse texto, eu explico aqui (e se você acredita que ela tinha algum teor erótico, já aviso que irá se decepcionar). Pelo menos uma três vezes por dia, a japonesa mais velha o Japão faz sua higiene bucal. Mas, em todas as vezes, a japonesa que cuida dela precisa ficar ao seu lado enquanto ela faz a parte do bochecho, gritando as instruções (exatamente como eu escrevi lá em cima) para a vizinhança inteira, para evitar uma tragédia. Afinal, imagine a gritaria que rolaria se a mulher esquecesse que que é para cuspir e saísse muito louca pela casa depois de tomar um shot de Listerine.
6 comentários:
Quer dizer que a família de japoneses não grita em japonês incompreensível?! Decepção!
Caro Rob... Você não está sozinho nessa... Eu também sou tipo um pára raios de barulho. O agravante é que tenho filho pequeno. E aí meu filho, você se obriga a reclamar e a comprar briga. É incrível... Onde eu morava até 2 anos atrás tive problema com vários vizinhos. Aí, como me toquei que quem estava incomodando na verdade devia ser eu, me mudei. Fui pra um apartamento e adivinha ? Barulhos no apartamento de baixo e no do lado. Só que o bom de apartamento é que tem síndico, então se você reclamar ele tem que tomar uma providência. Claro que isso te livra de 'bons dias' dos vizinhos barulhentos. Porque claro, se você reclama do barulho, o chato é você, e não quem faz barulho. Tudo calmo, até vizinhos novos se mudarem para o apartamento do lado ao meu, em outro condomínio. Como o cara trabalha até umas 22:00 ele chega em casa e começam as conversar, tv alta, cachorro latindo. Isso até umas 02:00. Claro, até o chato aqui se encher e ir na portaria do prédio reclamar. Acionei até a síndica do prédio do cara. Fazem uns 10 dias que tudo está quieto, mas eu sei, lá no fundo, que logo vem outra coisa perturbar. Até quando eu fui pra uma chácara de um amigo meu, no meio do nada, pra dormir em paz foi um povo fazer baile, com som alto até de manhã...
Enfim, é bom compartilhar isso com quem entende... Abraços, excelente blog...
Um shot de Listerine! Rolando de rir até agora!
Hahaha! Estou imaginando uma "véia" japonesa fazendo "buchecho" com saquê e saindo correndo doida pela casa e cantando: "Viajondo, pero estrada! Eu e o Tanaka, tocando baca"....Muito legal Vavoom também!!! Aaaahhhhhhhh!!!!! "Fiote" de Séginho Malandro: Rá glu glu! Yé yé! Rob, me permite propagandear meu blog neste espaço?
Um grande abraço e foi ótimo ter descoberto este blog e o "Gente que escreve".
Ri demais do shot de Listerine!!!!
Chorei de rir!
Tomei uma decisão, vou demitir meu psicanalista e ler mais o esse blog. Abraços Rob.
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