Quando eu era criança, fomos uma das primeiras famílias – ao
menos entre meus amigos – a ter videocassete. Isso porque, como moramos em
Manaus entre 1980 e 1982, voltamos para São Paulo trazendo na bagagem um
aparelho comprado na Zona Franca e a maior parte dos meus amigos nunca tinha
visto algo parecido. Meu amor nasceu por cinema nasceu nessa época.
Pouco mais de trinta anos depois, eu recebi por e-mail um
convite para assistir ao filme Êxodo – Deuses e Reis, por download digital em HD.
Achei uma coincidência apropriada que a primeira vez que eu assistisse a um
filme neste formato fosse justamente um filme de Ridley Scott.
Afinal, atravessei praticamente todos os sistemas de home
entertainment. Foram três décadas em que descobri novos formatos de ver filmes.
E, talvez mais importante, foram três décadas em que descobri novas maneiras de
ver os filmes de Ridley Scott, desde que assisti a Alien – O Oitavo Passageiro numa
fita pirata.
Quando o mercado de VHS se tornou oficial, Scott seguiu na
minha televisão, desta vez em fitas mais caprichadas. 1492 – A Conquista do Paraíso,
Chuva Negra e, claro, Blade Runner, que, depois de tanto alugar o VHS, foi uma
das primeiras fitas que comprei quando o mercado decidiu apostar em sell-thru.
Mas foi somente graças à TV por assinatura que finalmente consegui assistir ao
primeiro filme dele, Os Duelistas. Logo depois veio o DVD – e quem pode negar
que o primeiro grande lançamento do formato no Brasil foi Gladiador? Ainda
tenho em algum lugar aqui em casa a primeira edição nacional, com a embalagem negra
e assinatura do diretor em dourado. E, por fim, veio o Blu-ray, que me permitiu
revisitar os filmes antigos de Scott – descobrindo que eles foram feitos, mesmo,
para serem vistos em HD.
Agora a mídia física chegou ao fim e nada mais justo que os
filmes de Ridley Scott estejam comigo. Apesar de sua carreira já ter visto o
auge, um dos cineastas mais inovadores da minha geração merecia ter a honra de inaugurar
um novo formato de assistir a filmes na minha vida – eu já havia assistido a
filmes por streaming, mas nunca em download (o filme está disponível no formato desde o último dia 26, e o processo é extremamente fácil
e prático).
Confesso que não tive vontade de assistir à sua versão de
Moisés no cinema, por ter me decepcionado com os últimos trabalhos de Ridley
Scott. Mas o filme me surpreendeu. Não necessariamente pela sua qualidade
técnica – poucos diretores atuais usam os recursos digitais com tanta
competência na criação de cenas épicas como Scott – mas pela sua ousadia.
Em outras palavras: esqueça o clássico Os Dez Mandamentos. O
Moisés de Charlton Heston é uma figura totalmente diferente do Moisés de
Christian Bale. Ou, melhor dizendo, do Moisés de Ridley Scott. As cenas
grandiosas – e são muitas – talvez façam você pensar que está assistindo a um
épico dos anos 50. Mas a semelhança acaba por aí.
Se o Moisés consagrado no filme de Cecil B. De Mille é um
herói bíblico, com uma missão muito bem definida, o de Êxodo – Deuses e Reis é
mais humano que se espera: na verdade, é um homem em busca não apenas de sua
própria identidade como do seu destino. Aliás, pode-se dizer que o filme não é nem
mesmo sobre Moisés, mas sim sobre sua fé.
Praticamente todas as passagens clássicas de história de
Moisés podem ser explicadas como fenômenos naturais, desde as pragas que
assolam o Egito (em uma cena, um médico da corte de Ramsés explica como cada praga
é consequência da anterior) até a famosa abertura do Mar Vermelho, que
possibilita os hebreus uma chance de atravessá-lo em segurança. As explicações
para cada um dos fenômenos são convincentes não apenas para o espectador como
para quase todos os personagens do filme...
Menos para Moisés.
Pois Moisés sabe que são obras de Deus, graças às cenas mais
interessantes – e ousadas do filme – nas quais ele conversa com Deus, que
assume a forma de uma criança.
Ao invés da tradicional submissão mostrada em filmes
bíblicos, Moisés cresce como personagem justamente nestes momentos, em que ele
simplesmente se recusa a “apenas obedecer” a Deus, chegando até mesmo a
discutir com Ele em alguns momentos. E é justamente isso que reforça sua
identidade, concluindo a cena, vista logo no início do filme, em que se explica
o significado da palavra israelita. Moisés não precisa aprender somente a ser
líder, mas sim o emissário de um deus que ele não compreende totalmente.
Para quem espera um espetáculo visual – algo normal nos
filmes do diretor – o filme cumpre o prometido. As cenas do Egito Antigo,
especialmente das construções dos grandes monumentos, com tomadas aéreas de
tirar o fôlego, talvez sejam as mais belas já vistas no cinema, e o HD apenas
valoriza isso. O mesmo acontece com as (muitas) cenas de ação do filme.
Agora, para quem deseja conhecer uma nova leitura da
história de um dos mais famosos personagens bíblicos, Êxodo – Deuses e Reis é
visita obrigatória – não apenas pelo drama de Moisés, mas também pela cena em
que “explica” como a história que se passa nas telas irá se transformar em guerras
religiosas que o mundo assistiu ao longo dos séculos – e que continuam acontecendo.
Num mundo onde pessoas matam cada vez mais em nome de um
fanatismo religioso, talvez não haja mais espaço para personagens que simplesmente
abrem o mar com um cajado ou transformam as água do Nilo em sangue, usando o
poder de Deus.
E Ridley Scott sabe disso.
Trailer:
Trailer:
O blog assistiu ao filme a convite da Fox.
Champ Review reloaded.
ResponderExcluirO único ponto ruim desse filme é o nome.
ResponderExcluirEsperava uma coisa e vi outra. Se fosse apenas "Moisés" seria mais honesto.