Eis o homem do século 21.
Eis o homem do século 21 saindo de casa para o trabalho. Ele
ganha o mundo a cada passo. Enquanto espera o ônibus, está acompanhando
notícias, confirmando a reunião da tarde, esboçando um projeto e fazendo sinal
para o ônibus.
Eis o homem do século 21 afundando o pé em um monte de merda na
calçada enquanto caminhava rumo ao ônibus.
Eis-me aqui de volta.
Eu poderia escrever parágrafos e parágrafos sobre minha ausência
aqui. Também poderia escrever muito sobre meu retorno.
Talvez eu faça isso depois, porque neste momento eu estou um
pouco ocupado a) tentando esconder das outras pessoas que estou com o tênis
coberto de merda; b) constatando que até a barra da calça ficou suja de merda;
c) fazendo cara de paisagem para tentar convencer as pessoas do ônibus fedendo a esterco é
a coisa mais normal do mundo e que isso não tem nada a ver comigo e sim com a
situação do transporte público de São Paulo; d) pensando em talvez subverter as
regras do jogo e reclamar em alto e bom som de que o ônibus está cheirando à
merda e torcer para que, no tumulto, ninguém olhe para meu pé, mas 3) mudando
de ideia e decidindo que é melhor ficar em silêncio e contar com a sorte.
E, claro, f) dando graças a Deus que não estou carregando um
pacote de fraldas do meu filho para as pessoas não somarem A + B e chegarem à conclusão
que eu tenho problemas mentais.
Foi assim, com cara de paisagem, que procurei um lugar vazio
no ônibus para me sentar. No caminho, fui arrastando o pé e fingindo que estou
com a perna machucada, para tentar tirar o excesso de coliformes do tênis. Modéstia
à parte, fiz isso com um profissionalismo invejável, sem transparecer por um
momento o medo de deixar um rastro marrom no chão do ônibus ao fazer isso.
(Mas claro que na minha cabeça o ônibus inteiro estava
olhando para mim e eu já estava cercado de moscas).
Finalmente consegui me sentar num banco vazio, sem ninguém
ao lado. Hora de tentar limpar o estrago um pouco. E não seria uma tarefa
difícil. Tudo o que eu precisava era um tanque com uma torneira funcionando, um
esponja e um pouco de sabão. Ah sim, luvas. Luvas seriam essenciais.
Bem, abri a mochila e encontrei meu tablet, duas canetas –
uma que eu havia perdido há dois meses e outra que nunca vi na vida – uma caixa
vazia de remédios para enxaqueca e meia dúzia de moedas. Bem, minhas opções não
eram muitas.
Talvez eu pudesse acessar a internet pelo tablet e descobrir
como tirar merda da calça com canetas? Ou eu podia levantar, pedir desculpas por
atrapalhar a viagem de todos e dizer que não estou aqui vendendo nada, mas comprando,
porque tenho 85 centavos e preciso de uma esponja com água e sabão, será que alguém
pode me ajudar e podia ser pior porque eu podia estar roubando?
Não. Nada ia dar certo. Se eu fosse o personagem principal
de MacGyver, a série teria sido cancelada no primeiro episódio.
Mas foi quando a sorte resolveu me mostrar algo que eu não
havia visto. Revirando a mochila, a caixa de remédios tombou e, de dentro dela,
caiu sua bula.
Oito pequenas páginas de papel. Era tudo o que eu tinha. Era
com isso que eu teria que me virar.
Cruzei a perna tomando cuidado para não raspar o tênis na
outra perna – quem me conhece sabe que esse é o tipo de situação que eu poderia
raspar o tênis na testa – e comecei a operação limpeza. Rasga um papel, esfrega
aqui, rasga outro papel, limpa aqui, rasga mais um papel...
E a calça não limpa de jeito nenhum.
Joguei os papeis fora no cesto de lixo do ônibus – o ônibus
devia ser novo, porque ele ainda não estava quebrado – e comecei a executar o
plano B, que consistia em arrumar desculpas para usar pelo resto do dia sobre
eu ter uma mancha de merda na barra da calça.
Para matar a saudade, vamos resumir todas elas no Top 5
Motivos para a Barra da Minha Calça Estar Suja de Merda:
1. “Na verdade, não é merda, é lama. Cheiro? Cheiro
de quê? Não, não estou sentindo nada.”
2.“Olha, eu estou fazendo um curso de ioga e
acabei perdendo uma aposta com meus colegas, então...”
3. “Não conta para ninguém, mas eu estou com um
saco de cocaína amarrado na perna, então esfrego merda na calça para confundir
os cachorros da polícia.”
4. “Não, não a calça é assim mesmo. É um modelo novo que brinca
com cores e tendências.”
5. “I’m sorry, I don’t speak portuguese”.
Certo, era um mais ridículo que o outro. Nenhum ia colar.
Olhei para o tênis com merda, o tênis com merda olhou para mim, deu uma
cotovelada na calça com merda e ambos começaram a rir de mim.
Hora de ir para o Plano C.
Peguei o celular e mandei uma mensagem para a Esposa,
dizendo que ia passar no shopping e comprar uma calça. Claro, contei também toda
a história antes porque avisar a esposa que você precisa comprar uma calça meia
hora depois de sair de casa é o tipo de coisa que pode arruinar um casamento.
Mas mandar a mensagem era essencial porque eu não entendo
muito de calças. Sim, eu sei o que elas são, para o que servem e como eu coloco
no corpo, mas nada muito além disso. Ah, eu também sei a diferença entre uma calça
jeans e uma de moletom, e que devia existir uma lei proibindo a fabricação de
calças sem bolso. Mas, fora isso, nada.
Assim, peguei umas coordenadas com a esposa. Aliás, vocês
sabiam que eu uso calça 40? Eu não sabia também, descobri isso hoje. Peguei
dicas de loja (sempre lembrando ela de que “eu estou com a perna cheia de
merda, precisa ser uma loja em que eu não precise falar com ninguém). Mas eis
que chega a seguinte mensagem.
“Pega calça reta”.
“Não são todas retas?”
“Com a perna reta”
“Sim, eu já estava pensando na perna. A bunda eu sei que é
redonda, mas pra mim todas as calças são retas. O conceito da calça é esse”.
“Não pega skinny porque é aquela que afina na perna”.
Ah, a calça de hipster. Então aquilo tem nome.
Essa informação é importante, porque calças skinny... Bem,
eu não sou exatamente magro e minhas pernas são finas, então uma calça
dessas... Bem, digamos que basta eu pintar uma calça skinny de laranja e
pronto: minha fantasia de coxinha está pronta para o carnaval.
Assim, entrei na primeira Riachuelo que apareceu na minha
frente, tendo apenas duas informações: “reta” e “40”. Só que assim que entrei
na loja descobri que eu tinha um problema um pouco mais imediato: como achar a
calça de homem?
Lembram que eu disse que não entendo muito de calças. Para
mim, a melhor maneira de descobrir se uma calça jeans é masculina ou feminina é
observando a placa na parede de loja. Se está escrito “seção masculina”, eu
consigo concluir que aquelas roupas são as que eu preciso. Assim, entrei na loja
e comecei a rodar pelos corredores, tomando o cuidado para não me aproximar das
outras pessoas porque, na minha cabeça, até mesmo os seguranças do shopping já
estavam procurando descobrir quem é o cliente do shopping que está fedendo a
merda e precisamos expulsar essa pessoa daqui.
Depois de bancar o Pac-Man desviando dos fantasmas pela loja
inteira, achei a seção masculina e fui atrás da tal calça reta e encontrei... Uma.
Busquei meu tamanho e pronto. Calça 40. Tudo resolvido. The shit days are over.
Ou não.
Até eu que não entendo nada de calça podia enxergar que o
negócio era horrível – a calça praticamente pedia para ser usada com um
barbante no lugar do cinto, tudo combinando com um furo logo embaixo da inscrição
“Maluf 86”.
Bom, entre comprar um calça dessas e uma skinny, minha única
saída era ir em outra loja. E era isso que eu estava quase fazendo quando vi outro
modelo de calças chamado slim. Lembrei do cantor de blues Magic Slim e fui
olhar a calça, constatando que ela estava entre reta e a de hipster. Apanhei
uma e fui para o provador.
Não deu outra. Cinco minutos depois, estava pagando a calça.
Ou melhor, tentando pagar.
- Qual a forma de pagamento?
- Débito.
- O senhor não quer fazer o cartão da loja?
- Eu já tenho o cartão da loja, mas quero fazer no débito.
- No cartão da loja o senhor pode parcelar.
- Olha, eu realmente estou com pressa. É débito.
- E jogar o primeiro pagamento para a Copa do Mundo de 2022.
- Você não está sentindo um cheiro estranho?
- Não senhor.
- Tem certeza? Está um cheiro de... Não sei. Está um cheiro
ruim aqui.
- Agora que o senhor falou... Parece cheiro de...
- Enfim, é débito.
Minutos depois, eu estava no banheiro do shopping, usando o
isqueiro para arrancar as etiquetas da calça nova antes de vesti-la. E como não
achei um incinerador nem um depósito de lixo radioativo para jogar a calça antiga,
fui obrigado a jogá-la dentro da sacola, amarrar bem e enfiar na mochila, antes
de sair do shopping e procurar um gramado para limpar o resto do tênis.
E, enquanto pensava se seria melhor jogar a sacola com a
calça cagada no Rio Tietê ou se valia a pena cortar as pernas do joelho para
baixo e transformá-la numa bermuda, percebi que aquela manhã tinha rendido uma
história boa.
Respirei fundo. Será que eu ainda sei escrever coisas assim?
Sabe sim! Não tem como perder a mão, Rob Gordon! Bom vê-lo de volta! Compartilhado
ResponderExcluirFaz tempo que não dou boas risadas. Até me emocionei. Welcome back, Rob Gordon.
ResponderExcluirEsse texto está meio "esmerdeado" mas como é bom ter você de volta aqui Rob.
ResponderExcluirA leitura valeu ótimas risadas.
Vida longa e próspera!
Sim, você sabe.
ResponderExcluirSim, apesar de ainda saber, você demorou muito e eu já estava a ponto de bater na sua porta para te obrigar a voltar.
Ainda se faz comentários em blogs?
Em nenhum momento passou pela sua cabeça não entrar no ônibus e voltar para casa para se trocar, antes de chegar a um "point of no return"?
Não existe alguma lei em SP obrigando os donos de estegossauros a recolher as fezes de seus bichinhos?
E, finalmente, se pisar em cocô for o único motivo que fará você voltar a escrever aqui, me desculpe, mas espero que você se afunde em merda todos os dias. É por um bom motivo.
Sim, sabe!!!!!! Não suma por favor!
ResponderExcluirVocê quer tirar um crédito para os indivíduos, simples, rápido, sério e adaptado às suas necessidades?
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Paul
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Paul
Humm, eu já sabia que merda podia render boas histórias e essa com certeza é um bom exemplo.
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