Assim que eu entrei no carro, disse para onde ia e o taxista
deu a partida. Ainda no primeiro quarteirão, ele falou.
– Sabe o que eu queria?
Foi assim mesmo. A seco. Sem nenhuma preparação, sem nenhum
assunto prévio, nada. Ele fez a pergunta como se estivesse concluindo uma longa
conversa da qual eu não fazia parte. Mesmo assim, resolvi participar.
– O quê?
– Eu queria ser rico. Ser muito rico. Mas não rico por ser
rico, e sim rico para poder ficar em casa. Eu queria ficar em casa sem fazer
nada, apenas pensando. Queria ficar na frente do computador pensando o dia
inteiro.
– Mas pensando sobre o q...
– Sabe? Acorda de manhã, começa a pensar. Liga o computador
e continua pensando. Lê as notícias e continua pensando. Isso que é vida.
– Olhe, eu trabalho em casa na frente do computador e não é
bem as...
– Aí vou almoçar pensando. Termino o almoço, volto para o
computador e continuo pensando. Passar a tarde inteira pensando. E fico ali
pensando até a hora do jantar.
– Então, mas eu trabalho na frente do computad...
– Queria ficar o dia inteiro pensando. Na frente do
computador, pensando.
– Eu estou tentando falar qu...
– Pensando. Pensando. Pensando.
– Oi?
– Pensando. Pensando. Pensando. Pensando.
– Olhe, é só uma curiosidade, mas o senhor está tentando me
hipnotizar?
– Se eu não pudesse passar o dia inteiro em casa pensando,
sabe o que eu gostaria?
– Não.
– Ser político. É isso. Eu queria ficar pensando ou ser
político.
– Eu concordo que essas atividades realmente parecem bem
longe uma da outra, mas, nesse cas...
– Eu sempre adorei política. Aliás, quando eu disse que
queria ficar pensando em casa, uma das coisas era pensar sobre política.
– Sabe o que eu queria? Terminar uma única fr...
– E ser político no Brasil é fácil. Você precisa de
dinheiro, claro. Mas não só isso. Você precisa de promessas. Promete isso,
promete aquilo, promete aquele outro ali e pronto. Com dinheiro, você ganhou a
eleição. E aí sabe o que eu faria? Iria para casa pensar.
– Eu desisto.
– Ia acordar de manhã e ficar pensando. Ligar o computador e
continuar pensando. Ler todas as notícias e continua pensando. Isso que é vida.
– Certo.
– Quer dizer, eu não ia ler todas as notícias. Ia ler só
aquelas que me interessam. Aquelas que você vê que não está sendo manipulado.
Agora... As outras... Aquelas que manipulam você... SABE O QUE EU IRIA FAZER
COM ELAS?
– Hum... Não ia ler?
– ISSO! EU NÃO VOU PERDER MEU TEMPO LENDO UMA NOTÍCIA QUE ME
MANIPULA!
– Olha, mas aí o senhor tem um problema. Porque para saber
se a notícia é manipuladora, você precisa ler essa not...
– EU NÃO IA LER!
– Certo. Desculpe.
– Porque eu não vou fazer como aquelas pessoas que não leem
nada, aí formam uma opinião errada e saem por aí repetindo burrices.
– Entendi.
– Mas eu não vou ler as notícias manipuladoras. Só as
outras. Você sabe de quais eu estou falando.
– Sei?
– As que me fazem pensar!
– Entendi.
– O que você acha do meu plano?
– Olhe, eu acho que...
– Você não acha que ele pode funcionar?
– Então, eu acho que o senhor...
– Porque eu tenho certeza que eu vou ser uma pessoa melhor
fazendo isso.
– Bem, o que eu acho parece não fazer muita diferen...
– Uma pessoa mais esclarecida.
– Sim.
– Eu ia ser melhor assim. Lendo e pensando. Lendo e
pensando. Lendo e pensando.
– Isso é a hipnose de novo?
– Lendo e pensando o dia inteiro.
– E a política?
– A política também. Sendo político, lendo e pensando. Sendo
político, lendo e pensando. Sendo político, lendo e pensando. O dia todo.
– Certo.
– E pensando sobre política também.
– Sim, eu já havia imaginado isso.
– Especialmente política internacional. Adoro política
internacional. Você gosta de política internacional?
– Entra aqui à direita. É nessa rua.
– Eu adoro. Sabe o que eu queria?
– Ficar em casa pensando?
– Além disso.
– Ser político?
– Além disso.
– Ser político para poder ficar em casa pensando?
– Uma guerra entre Rússia e Estados Unidos!
– Meu Deus do céu.
– Mas isso nunca vai acontecer. Não enquanto eu estiver
vivo.
– É na próxima quadra.
– E eu queria ver só para descobrir quem ia ganhar a guerra.
– Entendi.
– Porque aí, depois da guerra, eu ia para casa.
– E ficaria pensando?
– EXATAMENTE!
– Entendi. Olha, é naquele portão marrom ali.
– Sabe o que eu acho dos coreanos?
– Obrigado. Quanto deu?
Desci do carro e vi o taxista ir embora. E fiquei cinco
minutos em pé na calçada, fumando um cigarro e tentando me convencer que nada
daquilo tinha acontecido.
"– Uma guerra entre Rússia e Estados Unidos!
ResponderExcluir– Meu Deus do céu.
– Mas isso nunca vai acontecer. Não enquanto eu estiver vivo.
– É na próxima quadra."
Isso aqui foi BRILHANTE. Por favor, não pare de escrever diálogos. Por favor.
Eu queria ver China x EUA!
ResponderExcluirCaralho Rob, agora toda vez que eu pegar um taxi vou lembrar do taxista pensador. Texto sensacional, como sempre! haha
ResponderExcluir... mas aconteceu, rs...
ResponderExcluirNão conhecia suas crônicas, só suas aulas com o Fábio Barreto que estou curtindo muito. Mas conhecer este espaço, ganhei meu dia. Eu voltarei, grata.
ResponderExcluirMuito bom!!! Esse é o meu primeiro contato com um texto seu e eu adorei! Cheguei até aqui depois de conhecer o podcast Gente que Escreve.
ResponderExcluirVirei seu leitor.
Abraço,
Muito bom! Muito bom!
ResponderExcluirSabe, ontem eu ouvi o seu Podcast com o Fábio Barreto e fiquei interessado em ler um texto seu. Poxa, que surpresa legal!
Abraço!
Talvez você devesse ter pensado um pouco mais sobre essa conversa...
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