20 de janeiro de 2013

O Signo dos Quatro

O Primeiro queria comprar espinafre.

O Segundo procurava pelo queijo ralado.

O Terceiro precisava de areia para gatos.

O Quarto estava indo para o caixa.

O Primeiro parou em frente à prateleira de verduras e descobriu que sabia apenas três coisas sobre espinafre: 1) deveria estar na prateleira de verduras; 2) é uma folha verde e 3) é o alimento favorito do marinheiro Popeye. Começou a olhar as verduras e descobriu que a natureza lhe havia apresentado um enigma: todos os produtos na prateleira de verduras eram verdes – a não ser por umas folhas de alface roxas, provavelmente de alguma espécie mutante. Qualquer coisa ali poderia ser um espinafre.

O Segundo andava pelos corredores empurrando seu carrinho e pensando onde poderia estar o queijo ralado. Não era de hoje que havia percebido que o queijo ralado era alvo de alguma piada interna dos funcionários do mercado, mudando frequentemente de lugar. Na primeira que precisou, estava perto das massas; na segunda, encontrou no meio dos queijos. Tentou encontrar uma lógica nisso, mas desistiu na terceira vez, quando ele estava junto com os salgadinhos. Assim, respirou fundo e preparou-se para andar o mercado inteiro.

O Terceiro analisava cuidadosamente o corredor de ração para animais. Já havia escolhido um pacote de ração para os gatos, e ainda precisava levar um saco de areia. Olhou de um lado para o outro e nem sinal da areia. Somente rações. Rações para gatos, rações para cachorros, rações para aves, rações para ornitorrincos, rações para dinossauros. Foi quando percebeu que, por cima das rações havia uma prateleira com os sacos de areia. Do alto de seu 1.60m que mal alcançava as rações, respirou fundo e preparou-se para tentar pegar o saco que estava mais baixo - mais ou menos na altura do pico do Jaraguá.

O Quarto estava empurrando seu carrinho em direção ao caixa, escolhendo em qual das duas filas entraria. A primeira era a do caixa rápido – que passa somente até dez mercadorias – e devia ter cerca de vinte pessoas, sendo que mais metade delas estava comprando pelo menos trinta mercadorias cada, e a outra metade era composta de casais que, enquanto o marido esperava na fila, a mulher fazia as compras. Sem muitas alternativas, encaminhou-se para a outra fila, que possuía somente uma cliente, uma mulher de uns 40 anos que usava uma camiseta com uma inscrição. O carrinho dela estava cheio, mas, olhando para o tamanho da outra fila, decidiu que conseguia lidar com a espera.

O Primeiro começou a revirar as verduras, chegando à conclusão que qualquer coisa ali poderia ser um espinafre. Pegava pacotes e lia as embalagens. Acelgas, rúculas e outros matos do qual nunca havia ouvido falar. Nada de espinafre. Enquanto fazia isso, ouvia risadinhas por trás das verduras, certo de que o espinafre estava se escondendo em algum lugar. E sempre que revirava a prateleira de onde as risadas pareciam sair, descobria apenas espaços vazios, o que o levou a uma conclusão: os espinafres estavam de sacanagem.

O Segundo estava há minutos procurando pelo queijo ralado quando decidiu entrar no corredor de temperos. Porém, não conseguiu fazer a curva: foi impedido por uma mulher loira, de uns vinte e poucos anos e cara de arrogante, que entrou na sua frente com o carrinho, fazendo a curva e parando para escolher qual molho de tomate levaria. Pediu licença, mas a mulher o ignorou e permaneceu impassível analisando uma lata de molho. Sem alternativa, empurrou o carrinho da mulher para o lado, entrou no corredor e foi-se embora.

O Terceiro, parado em frente à prateleira de rações para animais, analisava a situação em busca de uma forma de alcançar a areia dos gatos. Olhou para um lado, para o outro e, ao ver que não havia outra pessoa no corredor – e sabendo da inutilidade do seu gesto – deu um pulo discreto e tentou alcançar os sacos. Nada. Conseguiu bater os dedos em um dos sacos, mas antes que pudesse agarrá-lo, a gravidade do planeta sentiu-se desafiada e resolveu se intrometer. Deu um novo pulo, e nada. No terceiro pulo, percebeu que seria inútil. Precisaria de um plano B.

O Quarto esperava para ser atendido enquanto a mulher da camiseta com algo escrito entregava as mercadorias à funcionária do caixa. Contudo, algum problema de coordenação motora fazia com que, ao apanhar algo em seu carrinho, ela empurrava seu carrinho para trás, fazendo com que ele batesse no carrinho do Quarto. E ainda olhava feio para ele. Uma laranja, uma batida e uma olhada feia. Uma garrafa de leite, outra batida e outra olhada feia. Como ela estava comprando mais de 200 mercadorias, o Quarto respirou fundo e conformou-se: passaria boa parte de 2013 ali, com a mulher batendo em seu carrinho e olhando feio para ele.

O Primeiro, sem conseguir localizar o espinafre, resolveu pedir ajuda para alguém. Olhou para trás e procurou por algum funcionário do mercado. Nada. Pensou em gritar se “alguém aqui no mercado é jardineiro ou entende de plantas?”, mas mudou de ideia ao ver uma senhora escolhendo verduras na outra ponta da prateleira. Como ela parecia saber o que estava fazendo, resolveu pedir ajuda a ela.

O Segundo, sem encontrar o queijo ralado no corredor de temperos, decidiu ir olhar mais uma vez na parte de queijos. Enquanto cruzava o mercado na direção do seu próprio objetivo, foi cortado pela mesma mulher loira que saía da seção de legumes empurrando seu carrinho rapidamente. Aparentemente, sua lógica apontava que, como ela tinha o nariz mais empinado do mercado, os outros teriam que desviar dela por obrigação. O Segundo parou seu carrinho, respirou fundo, contou até dez e foi-se embora, praguejando.

O Terceiro já havia desistido de pular e agora buscava um modo de escalar as prateleiras. Assim, colocou um dos pés na primeira prateleira, próxima ao chão e, tirando o outro pé do chão, esticou o braço. Nada. Sabendo que precisava subir em algo mais alto, tentou o mesmo truque, mas agora usando a barra de ferro que ligava as rodas de seu carrinho de compras. Apoiou um dos pés no carrinho com firmeza e, com cuidado, tirou o outro pé do chão. Antes que esticasse o braço, o carrinho escorregou para o lado, suas pernas abriram num ângulo de 240 graus e quase caiu de costas no chão do mercado.

O Quarto continuava observando pacientemente a mulher da camiseta com algo escrito à sua frente na fila. Tentava calcular quanto tempo havia se passado desde que entrou na fila, mas perdia a conta sempre que a mulher fazia o carrinho bater no seu. Mas, pelas suas contas, estava ali há anos. Viu a funcionária do caixa, uma mulher de meia idade, reclamar algo com uma colega sobre seus filhos e lembrou-se que, quando entrou na fila, ela era jovem e provavelmente solteira. Já a mulher do carrinho de compras infinitas parecia desafiar o tempo e continuava apanhando suas compras, fazendo seu carrinho bater no carrinho do Quarto e olhando feio para ele.

O Primeiro perguntou à mulher se ela sabia onde estava o espinafre. Sem sequer parar para pensar, ela pegou o primeiro pacote que viu e lhe entregou. Ele leu na embalagem: “espinafre”. Agradeceu e estava voltando ao seu carrinho quando ela lhe chamou. Olhou para a mulher e ela tinha outra embalagem de espinafre na mão, dizendo que aquele estava mais verde. Sem ver diferença nenhuma, agradeceu e pegou o espinafre mais verde. E foi-se embora pensando se é possível um espinafre ter mais clorofila que o outro.

O Segundo havia encontrado o queijo ralado e preparava-se para ir embora. Mas foi interrompido novamente pela loira do carrinho, que saiu do corredor de material de limpeza em direção aos caixas, esperando que todos os outros clientes parassem para ela passar. Sem pensar, o Segundo esticou a perna para que a roda do carrinho dela passasse sobre seu pé. No momento que isso aconteceu, levantou o pé com força, fazendo com que o carrinho da mulher quase capotasse e suas compras caíssem uma por cima das outras. Enfurecida, a mulher olhou para o Segundo, que apenas sorriu e pediu “desculpe, não vi você” antes de ir embora.

O Terceiro, inconformado, estava prestes a desistir quando olhou para baixo e viu dois sacos de areia esquecidos na prateleira mais próxima do chão. Pegou o primeiro apenas para descobrir que ele estava furado, fazendo montanhas de pedrinhas caírem sobre seus pés, cobrindo até quase seus tornozelos. Ficou ali, no meio do mercado, em pé sobre uma montanha de areia para gatos. Rapidamente, pegou o outro saco, colocou no carrinho e – antes que alguém o encontrasse daquele modo e avisasse a segurança que “tem um sujeito desequilibrado que acha que é um gato e está fazendo cocô naquele corredor ali!” – foi-se embora.

O Quarto continuava esperando e vendo seu carrinho ser batido, quando a mulher do carrinho bate-bate resolveu dar um fim naquilo. Enfurecida, perguntou se ele podia ir dar um passo para trás. Ele respondeu apenas que “não, tem gente atrás de mim”. Ela bufou e empurrou o carrinho com mais força. Foi quando o Quarto conseguiu ler o que estava escrito na camiseta: “Chocolates, Shoes, Diamonds & Christian Grey”. Não respondeu nada, apenas percebeu que a maior parte das compras da Sra. Grey eram montanhas e montanhas dos primeiros 25% da camiseta. Quando ela foi embora, ele pagou suas compras, pensando que mercados deveriam permitir que fãs de 50 Tons de Cinza pudessem usar um caixa próprio, onde tivessem contato somente com outras fãs.

O Primeiro, o Segundo, o Terceiro e o Quarto entraram em casa, depositaram as compras na mesa e ligaram o som. O shuffle do iPod escolheu um blues. Born Under a Bad Sign.

Os quatro sentaram-se no sofá e ouviram a música. E, quando Albert King reclamou que If it wasn't for bad luck, I wouldn't have no luck at all”, fecharam os olhos, lembraram-se que, por incrível que pareça, todos eles eram a mesma pessoa.

E começaram a pensar se existia algum motivo para a vida ser desse jeito.


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17 comentários:

Elise disse...

Acho que você deveria compilar um livro com as crônicas do supermercado... impressionante como a sua falta de sorte quase se materializa na sua frente toda vez que você precisar ir comprar alguma coisa! :D

Celypearl disse...

Impressionante como suas idas ao supermercado podem ser interessantes hahaha... Gostei muito do texto, fiquei me perguntando se um supermercado teria a sorte de ter quatro clientes tão azarados ao mesmo tempo rsrs... Parabéns pelo seu trabalho.

Renata de Toledo disse...

Demais, Rob!
Mas eu já sabia que todos eram você, desde a hora que fui informada que os espinafres estavam de sacanagem...

miriamb.ferreira disse...

Não é possível Rob, a vida só é assim com você. Não é possível!

Varotto disse...

Gostei da narrativa estilo Doctor Manhattan.

"Hard luck and trouble been my only friends..."

Climão Tahiti disse...

Impressionante.

Impressionante como você só se f*de.

Mas eu teria usado a areia dos gatos. Na loira.

Rafiki Papio disse...

Os Rob's de realidades paralelas.Deve existir alguma em que as coisas deram certo, provavelmente aquela em que nenhum Rob foi ao mercado.


Sobre espinafre e Popeye:
certa feita, eu jovem tola criança pedi a minha mãe que cozinhasse espinafre pra mim, desejava comprovar os efeitos anabólicos dessa planta, mas quando eu dei uma boa olhada naquilo desisti. O que eu sei sobre espinafre é isso,não é como no desenho.

Fernanda disse...

Seu azar crônico no supermercado só não foi maior pq ninguem te confundiu com o Matheus, né. E nem a loira mal educada era a namorada (ou prima, ou irmã) do malfadado Matheus.

Mas sim, eu gostaria de ver alguma justiça acontecer e ver alguns seres que habitam esses locais, quem sabe, morrer apedrejados pela falta de noção e educação. Sim, apedrejados, nem que isso acontecesse com as pedrinhas da areia do gato. rs



Rob Gordon disse...

Elise:

Olha, é uma boa ideia. Bem que algum supermercado podia patrocinar a ideia?

Beijos!

Rob

Rob Gordon disse...

Celyne Viana:

Fique de olho no blog, pois eu vou ao mercado umas quatro vezes por semana! :)

Beijos!

Rob

Rob Gordon disse...

Renata de Toledo:

Como já disseram acima, dificilmente um supermercado teria quatro clientes tão azarados. Ainda mais ao mesmo tempo!

Beijos!

Rob

Rob Gordon disse...

Miriamb.Ferreira:

É possível, sim. Só comigo, admito, mas é possível!

Beijos!

Rob

Rob Gordon disse...

Varotto:

Olha, não tinha pensado em Dr. Manhattan! Bela sacada - se eu tivesse pensado nisso, teria deixado tudo no tempo presente, para ficar mais parecido!

Abraços!

Rob

Rob Gordon disse...

Ricardo Wagner:

A areia dos gatos já tem uma vida bastante difícil sem a loira. Tenhamos dó da areia dos gatos!

Abraços!

Rob

Rob Gordon disse...

Rafiki Papio:

Olhe, eu acho que existe sim uma dimensão que as coisas deram certo porque eu não fui mercado. Mas tenho certeza de que não fui ao mercado porque algo deu errado no meio do caminho.

E sim, o pessoal do Popeye deveria ser processado por inventar aquele espinafre e falar que aquilo existe!

Abraços!

Rob

Rob Gordon disse...

Fernanda:

Mas a história do Matheus continua - espere por novos posts disso por aqui!

E, apedrejado com a areia do gato? Gostei dessa ideia. Acho que o Ricardo Wagner vai gostar também!

Beijos!

Rob

Anônimo disse...

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