3 de agosto de 2011

DDD - Discagem Direta do Demente (do meu Porteiro)

Eu me lembro de quando ganhei meu primeiro celular. Foi na redação da primeira revista que eu trabalhei, e me deram para que eu pudesse ser encontrado quando estava na rua. Era um aparelho do tamanho de um tijolo baiano que, com a antena adequada, poderia certamente fazer ligações via satélite para qualquer lugar da galáxia.

Aliás, me lembro de ter questionado justamente o tamanho do telefone.

- Eu vou ter que carregar isso comigo?

- Sim. Assim nós podemos falar o dia inteiro com você.

- Mas eu vou ter que carregar isso sozinho?

- É evidente. É um telefone celular.

- Na verdade, ele parece ter mais de uma célula. Deve ter umas quatro, pelo tamanho. Eu não posso levar apenas uma delas?

- Não. Você vai levar isso com você.

- Nós não podemos contratar algum estagiário para levar o telefone para mim?

- Evidente que não!

- E um para atender? Porque, olha, vai ser difícil atender isso. Eu vou ter que carregar o telefone com as duas mãos... Onde atende? Neste botão aqui?

- Sim.

- Então, eu preciso das duas mãos para carregá-lo. Eu não tenho mão sobrando para atender. Logo, vocês vão ligar e eu não vou atender e vocês não vão conseguir falar comigo. Não vai mudar nada.

- Rob?

- Oi.

- Você vai levar o telefone.

- Mas precisa ser esse?

- Como assim?

- Aquele da minha mesa é menor que o celular. E se eu levar o da mesa e deixar o celular aqui.

Não colou. A partir daquele dia, eu tive que adaptar toda a minha organização de bolsos para conseguir andar com o celular. Mas o que sempre me lembro a respeito não era o tamanho, e sim o fato de ele ser pré-pago. E, como nunca tinha créditos, eu não podia ligar para a redação; somente a redação tinha esse poder. Era quase um matrimônio. Eu era o jornalista marido que precisava ficar à disposição da redação-esposa, mas não tinha voz ativa. O diálogo só acontecia quando a redação-esposa escolhia e era sempre a respeito dos assuntos que a redação-esposa queria conversar.

De lá para cá, todos os meus telefones celulares foram pós-pagos. E a maior parte das pessoas que eu conheço também usa pós-pago. Há um amigo meu, inclusive, que inventou uma terceira opção: ele tem um celular não-pago, que está desligado faz dois anos e já me acostumei a ligar somente no telefone fixo dele.

Mas eu sei que um celular pré-pago é algo bastante útil, especialmente por ter poucos gastos com ligações. Não sei se conseguiria – eu uso muito o celular – mas entendo quem tenha e acho que deve ser bastante eficaz para economia, no final do mês.

Entretanto, o que eu não entendo, realmente, é porque os porteiros aqui do meu prédio acham que o interfone é pré-pago.

Sim, sabe aquelas pessoas que ligam para você e desligam, esperando que você ligue de volta porque ela não tem créditos? Aqui é a mesma coisa, com a diferença de que se trata do interfone, e não de um aparelho celular.

Ou seja, eu peço pizza e, meia hora depois, o interfone toca.

Cabe aqui um interlúdio. Toda vez que meu interfone toca, Besta-Fera resolve justificar seu nome e tem uma síncope em casa.

Eu imagino que a associação que ele faça é que toda vez que aquele som ecoa em casa, a porta logo irá se abrir e algo (comida) ou alguém (brinquedo) irá entrar em minutos. Imediatamente, ele tem uma explosão de adrenalina e se transforma numa espécie de “Escolhido da Matrix”, começando a correr pelas paredes, a pular em câmera lenta e chutar meu queixo, além de derrubar o PlayStation, correr até a varanda e xingar as pessoas na rua, e arremessar facas na minha direção.

A última vez que isso aconteceu, ele praticamente arrancou meu olho com uma das patas. No dia seguinte, fui ao Pet Shop e parei na seção de roupinhas para cães, em busca de uma camisa-de-força. Como eles não tinham, fiquei duas semanas sem pedir comida, até meu olho melhorar.

Enfim, de volta à pizza. O interfone toca e o cachorro se torna uma espécie de cosplay da Linda Blair em O Exorcista. Senta no sofá, dá um giro de 360 graus com a cabeça e fica disparando jatos de vômito na minha direção. Eu pulo, me abaixo, desvio e chego ao interfone.

- Alô?

Sem resposta.

- Alô?

Sem resposta.

- Caralho! Alô?

Sem resposta.

- Alô?

Sem resposta.

Suspiro e desligo o interfone. Quando estou voltando para a sala, a merda do interfone toca.

Imediatamente, o cachorro pula de cima do armário com uma espada na minha direção, uivando xingamentos e maldições (a última vez foi algo parecido com “morra, porco estígio!!”) e mirando no meu ombro. Como já estou acostumado, consigo escapar do golpe desviando da espada e, aproveitando que ele vai direto ao chão, o imobilizo com o pé. A cena é assustadora: normalmente ele fica tentando me morder ou fazendo coisas obscenas com a língua e com os olhos injetados de sangue.

Eu espero ele se acalmar e atendo.

- Alô?

Sem resposta.

- Ô, puta que pariu, alô?

Sem resposta.

- Então, eu estou aqui!

Sem resposta.

- Merda! Merda de vida! Merda de prédio!

Sem resposta.

Desligo, conto até três e ligo. Aí atendem.

- Boa noite.

- Oi.

- Seu Róbi Górdon?

- Isso.

- Posso ajudar?

- Olha, não sei. Mas é provável.

- como assim?

- Meu interfone tocou duas vezes aqui. Eu atendo, e ninguém fala nada. Ou estão passando trote para mim, ou você quer falar comigo. Presumo que você queira falar comigo.

- Ah, sim.

- Diga.

- Sua pítissa chegou.

Sim, eles falam assim mesmo. Qualquer dia eu tento gravar. A única exceção é um dos porteiros que, por ser um pouco mais formal, se refere a tudo como “é entrega do restaurante X”. Ou seja, quando eu peço pizza, ele anuncia que “chegou a entrega do restaurante-pitissaria”.

- Ok. Estou descendo.

E toda vez é assim. Sempre que eles precisam falar comigo, eu sou obrigado a atender o interfone, falar sozinho durante vinte segundos e ligar de volta. Sempre. Toda vez que o interfone toca, eu consigo imaginar todos os porteiros ao lado do aparelho, ouvindo minha voz gritando um “alguém pode me responder, porra?” e segurando a gargalhada dentro da portaria.

Mas o pior foi dois dias atrás, quando pedi comida chinesa.

Foi exatamente igual. O interfone tocou e eu atendi. Não, minto. O interfone tocou, meu cachorro arrombou a porta do quarto e começou a pular sobre a cama, fazendo uma espécie de oração numa língua morta. Acho que era aramaico arcaico. Corri atrás dele e fechei a porta, deixando-o preso lá dentro e voltei para o interfone, que ainda tocava.

- Alô?

Sem resposta.

- Alô?

Sem resposta.

- Então, isso é bem engraçado, mas eu estou com fome. É a minha comida?

Sem resposta.

Desliguei e liguei de volta.

- Portaria, boa noite.

Aliás, qual o motivo dele falar “portaria, boa noite”? É evidente que ali é a portaria, já que o meu interfone só liga para a portaria.

- Você me ligou.

- Seu Róbi Górdon?

- Isso.

- E a entrega do restaurante-chaina-in-bóquis.

- Ok. Estou descendo.

Desci, peguei a comida e voltei para o apartamento. Entrei em casa, a porta do quarto continuava fechada e o silêncio imperava lá dentro. Estava quase soltando o animal quando o interfone tocou novamente, mas somente uma vez.

Aparentemente, este toque mais curto foi extremamente prejudicial à saúde mental do cachorro. Imediatamente, ouvi um estrondo vindo lá de dentro, como o guarda-roupa tivesse sido derrubado. Eu podia ouvir barulhos de motor vindo do quarto. Parecia um trator ou uma escavadeira.

Quando finalmente consegui falar com meu porteiro, ele explicou que “ah, desculpe, liguei errado”. Normalmente, eu teria mandado ele à merda, mas disse que tudo bem e fui comer. Faz dois dias que eu durmo na sala. Toda vez que passo perto da porta do quarto, ouço coisas estranhas lá dentro. A última vez que olhei pela fechadura, vi o Besta-Fera dançando freneticamente pelo quarto ao redor de uma cruz de madeira pegando fogo. E seus olhos estavam brancos, como se ele estivesse em transe.

Já chamei a veterinária para dar uma olhada nele, porque, aparentemente, a coisa agora é irreversível. Mas o meu medo é que quando ele chegar aqui, vai tocar o interfone. Aí eu quero ver.

E, para aqueles que estavam com saudades – sim, eu estava também – deixo vocês com o Top 5 Respostas que Eu Ainda Vou Dar Quando o Porteiro Atender com “Portaria, Boa Noite”:

1. “Oi, a Wanda está?” (esta é para os maiores de 30)
2. “Oi... Está me ouvindo bem? Lembra de mim? Sou eu. O Louco por Lee.” (esta também é para os maiores de 30).
3. “Você já dançou com o diabo sob a luz do luar?” (porque eu vi esta cena do primeiro Batman outro dia, fiquei com ela na cabeça).
4. “Por quem você está carregando estes tijolos? Deus? É isso? Deus? Bom, deixe-me dar algumas informações de bastidores sobre Deus!” (mas esta tem um truque: é preciso gritar tudo isso, e com a voz do Pacino).
5. “Oi, é da Portaria? Você é o Porteiro? Eu sou o Guardião!” (vocês assistiram Os Caça-Fantasmas, certo?)


14 comentários:

Anônimo disse...

Eu não sei do que eu rio mais, mas isso aqui:

"cosplay da Linda Blair em O Exorcista"

acabou comigo. HAHAHAHAHAHA

Ainda bem que eu não lido com porteiros. Não teria paciência nenhuma.

Agora, a pergunta é: tem certeza que o BF tá mal? Porque eu o vi no Twitter esses dias...

Varotto disse...

Muito bom!

Mas, mais tirada do baú do que o top 5, foi “morra, porco estígio!!”. :o)))

Varotto disse...

resposta adicional ao "portaria, boa noite":

- Say my name, bitch!!!

ou

- Now that you "haven't" called me by name...

P.S.: A melhor opção foi a dos Caça-fantasmas.

Natalia Máximo disse...

No meu apartamento, a situação é contrária. Tenho certeza que meus porteiros odeiam meu interfone, porque ele tá com mau contato. Aí, sempre que eles ligam lá, é preciso ter um jeitinho mágico (que eu não tenho, claro) pra conseguir atender. Além de ter que falar muito rápido, claro.

Kel Sodré disse...

"Cabe aqui um interlúdio. Toda vez que meu interfone toca, Besta-Fera resolve justificar seu nome e tem uma síncope em casa.

Eu imagino que a associação que ele faça é que toda vez que aquele som ecoa em casa, a porta logo irá se abrir e algo (comida) ou alguém (brinquedo) irá entrar em minutos. Imediatamente, ele tem uma explosão de adrenalina e se transforma numa espécie de “Escolhido da Matrix”, começando a correr pelas paredes, a pular em câmera lenta e chutar meu queixo, além de derrubar o PlayStation, correr até a varanda e xingar as pessoas na rua, e arremessar facas na minha direção."

HUASHUASHUASHUASHUASHUASHUASHUASHUASHUASHUASHUASHUASHUASHUASHUASHUAS

Sei exatamente do que você está falando! Otelo faz igualzinho e tenho a impressão de que a associação que ele faz é exatamente a mesma! kkkkkkkkkkkk

Anônimo disse...

Hahaha...Ri alto aqui!

Beatrice disse...

HAHAHAHAHA ri alto aqui.

Acho que esse problema entre cachorro e interfone é generalizado, aqui em casa rola também.

K.P. disse...

Eu não quero comentar esse top 5. O Rob fica forçando a gente a entregar a idade.

IsabelVeronica disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
IsabelVeronica disse...

Rob,
Mas você tá pensando que sofrer com porteiros é privilégio seu? Pois vou te contar o que me aconteceu ONTEM, sem sacanagem.

Lá pelas 22h toca o interfone e o porteiro da noite me comunica:

- Dona Isabel (sou sub-síndica), o Carlos (porteiro do dia) ligou e disse que não vai poder trabalhar amanhã. Ele tá internado no HGE (Hospital Geral do Estado).

- Nossa! O que aconteceu com ele?

- Olha Dona Isabel, eu não gosto nem de falar, mas é que ele tá com negócio na BUNDA e não pode nem sentar.

Bem, daí em diante a crise de riso que tive me impediu de pronunciar qualquer palavra.

É mole??

Ana Luísa disse...

HAHAHA, Besta-fera girando em volta de uma cruz. CHOREI de rir!

Fernanda disse...

Faz tempo que eu não surto tanto com um texto seu, Rob. Rí até chorar...

Não sei nem dizer as melhores partes, o porteiro ou o Besta Fera. Puxa, minhas duas cockers são a mesma coisa com qualquer barulho no portão, elas se transformam e quase provocam o apocalipse. E isso eu garanto, já que nos dias normais elas atendem por Katrina e Tsunami.

O Besta Fera é um fofo. Quem sabe ele não salva o mundo comendo o porteiro algum dia desses, heim?! rsss

Unknown disse...

"Eu sou Zuul, você é o porteiro"?

Aqui no meu prédio tem um alemão (alemão mesmo) chamado Hanz, que parece figurante de um filme do Indiana Jones. Geralmente é ele que interfona e diz, pomposamente, "já chegou a refeição". Eu quase visto um smoking pra ir buscar minha caixa de esfihas! Só que sempre lembro do "já chegou o disco voador" e dou risada.

Bel Lucyk disse...

ri demais!
o Zeca faz exatamente a mesma coisa quando o interfone da minha casa toca. Ele fica enlouquecidoooooooo!