1 de fevereiro de 2011

Deus e o Sabre de Luz

Quando eu era pequeno, não era difícil acompanhar minha...

Não. Comecei errado. Afinal, “quando eu era pequeno”, no meu caso, pode se referir à semana passada. Vamos tentar de novo.

Quando eu era criança (agora sim), não era difícil acompanhar minha mãe até o banco. Ela sempre teve conta numa agência do Banco Real, no Shopping Ibirapuera, e, muitas vezes em que ela precisava ir ao banco fazer alguma coisa – naquele tempo, não havia internet e, mesmo se houvesse, não faria diferença para ela, que ainda pergunta se é seguro eu digitar o número do meu cartão sempre que compro algo em um site – eu ia junto, na esperança de ganhar algo.

Veja bem, o “ganhar algo” algo aqui se aplica ao campo “mãe”, ou seja, não era nada muito ambicioso, normalmente ficando restrito à fórmula “chocolate, sorvete ou revista em quadrinhos”. Com sorte, um livro. Mas nada além disso.

Quando o passeio era com a minha avó, aí sim eu sabia que a mordida seria maior e me arriscava a pedir algo mais, digamos, sofisticado. Afinal, nenhuma criança que sai com a avó vai se contentar com um chocolate. Chocolates e avós são dois conceitos inseparáveis. Onde existe um, existe o outro, tanto que avós normalmente respondem a um “oi, vó!” escorregando um Sonho de Valsa para o bolso do neto.

Para quem gosta de futebol, deixo uma explicação melhor: no campeonato de conseguir presentes, enfrentar a mãe é um clássico (muitas vezes, fora de casa), que não é difícil ficar no 0 x 0 (e a vantagem do empate é dela); já a avó é aquele time que você precisa obrigatoriamente golear para fazer saldo de gols. Você ganhar um chocolate da avó é, literalmente, estar no saldo zero de presentes. Um neto que não consegue arrancar um chocolate da avó deveria ser punido por desonrar a classe, e passar o resto da existência trancado num universo habitado somente por cunhados.

Mas estou divagando, visto que no dia em questão eu estava com a minha mãe. Enquanto ela estava no banco, eu fui a uma loja de brinquedos no mesmo corredor (Tamborzinho ou Miniatura, nunca consegui diferenciar as duas) para passar o tempo. E foi dentro da loja que eu vi meu primeiro sonho de consumo.

Um sabre de luz.

Veja bem, se eu, com 35 anos, ainda tenho um sabre de luz – de verdade, claro – entre meus oito ou dez maiores sonhos de consumo (você consegue imaginar eu descendo a Teodoro Sampaio com aquilo ligado no meio dos camelôs? Bem, eu penso nisso todos os dias), imagine então qual não a minha reação ao dar de cara com um deles, à venda, quando eu tinha dez ou onze anos?

Meu destino todo se traçou à minha frente, enquanto eu olhava a vitrine, maravilhado. Eu teria meu sabre de luz e poderia finalmente enfrentar as forças do lado negro (leia-se: meu irmão), expulsando-as de casa. Gordon, o Jedi. Além disso, eu poderia levá-lo para a escola, e seria o primeiro aluno Jedi do colégio, sendo convocado para resolver impasses na cantina e mantendo a justiça no pátio. Gordon, o Jedi. Isso, claro, sem falar nas aulas de educação física: com o meu tamanho, disputar as bolas altas nas cobranças de escanteio sempre foi uma tarefa um tanto quanto complicada, e um sabre de luz viria bem a calhar. Gordon, o Jedi.

Tudo bem, olhando em retrospecto, algo me diz que eu andaria perigosamente próximo ao Lado Negro. Ao invés de Gordon, o Jedi, me tornaria em Darth Gordon. Mas, se este for meu destino, paciência. It’s useless to resist, já diria Darth.

Claro, eu precisaria de um manto. Porque todo mundo sabe que o Luke Skywalker é meio bunda-mole até o começo de O Retorno de Jedi, quando ele entra encapuzado no palácio do Jabba. Mas o manto seria fácil, um lençol escuro já serviria. Se eu conseguisse aquele sabre de luz, eu poderia facilmente explicar para a minha avó que “não, vó, não é uma espada, é um sabre de luz, e o meu destino está ligado à Força” e ela facilmente me daria um manto, escuro, imponente.

Chupem, todas as outras crianças do mundo. Vocês têm avós comuns, e eu teria uma avó Obi-Wan Kenobi.

Ok, vale ressaltar que o sabre de luz era de plástico. Mas eu tinha, como eu disse, dez ou onze anos. Acredito que, naquele momento, eu devo ter achado isso normal, entendendo que eu precisaria ter um sabre de plástico por ser criança, e que, quando eu fosse adulto, teria meu sabre de verdade.

E, além disso, por ser de plástico, ele certamente seria mais barato. Fiz as contas: minha mãe estava no banco. Eu tinha alguns minutos para descobrir o preço daquele sabre de luz, e voltar correndo para o banco implorando pelo dinheiro – que não deveria ser muito – mesmo que eu precisasse ficar de joelhos jurando lealdade eterna, na frente do resto do banco. Era um sabre de luz: valeria à pena.

Sem tempo a perder, entrei na loja e perguntei o preço do sabre de luz ao primeiro vendedor que encontrei.

A resposta causou um enorme distúrbio na Força e eu quase caí de costas.

Não me lembro do valor, mas certamente era algo que, traduzido para o universo Star Wars, seria suficiente para comprar uma cobertura duplex em Coruscant, com vista para o Palácio Imperial, ou até mesmo quitar toda a dívida do Han Solo com o Jabba. Se a minha avó Obi-Wan Kenobi estivesse comigo, ela certamente diria:

– Você vai ter que vender seu speeder.

– Eu não tenho um speeder – eu responderia.

– Bom... Então fudeu.

Deixei a loja sem nem conseguir mais falar com o vendedor e voltei para o corredor totalmente desanimado, e ainda um pouco atordoado pela resposta. Por aquele preço, eu precisaria reunir umas dez ou doze avós e ainda assim teria que esperar por um natal ou aniversário. Antes mesmo de ter início, minha carreira de cavaleiro Jedi havia sido destruída pela Estrela da Morte.

E foi aí que eu rezei pela primeira vez na vida.

Quer dizer, eu já deveria ter rezado antes, já que fui criado como católico. Mas esta foi a primeira vez que eu pedi algo a Deus, dando início a um longo relacionamento que tenho com Ele, onde a maior parte dos diálogos consiste em eu pedindo algo alguma coisa e Ele respondendo “você de novo?”.

E engana-se quem pensa que eu rezei para conseguir um sabre de luz. Eu apenas saí da loja, olhei para cima (acho que não é necessário olhar para cima, mas isso deve garantir um efeito dramático melhor) e pedi a Deus:

– Eu não quero mais o sabre de luz. Eu queria apenas entender o motivo de ele ser tão caro assim, sendo de plástico. Eu não acho isso justo e quero entender.

Poucos segundos depois, acabou a luz no shopping. Foi quando olhei em direção à loja e vi uma estranha luz, que vinha lá de dentro. Não, não era Deus que desceu para conferir o preço do negócio com Seus próprios olhos. A luz vinha do sabre.

Com a loja às escuras, um dos vendedores resolveu experimentar o sabre de luz, e estava brincando com ele atrás do balcão. Assim, fiquei observando maravilhado os movimentos suaves da espada, que iluminava boa parte da loja, cortando a escuridão.

Foi aí que eu entendi o preço cobrado pelo brinquedo: não era apenas uma réplica de plástico, mas realmente acendia – e, ao menos dentro da minha memória – tinha som. Uma arma elegante para uma época mais civilizada.

Até hoje penso nessa história, mas nunca consegui explicá-la.

Coincidência? Não sei. Talvez. Mas, como Nélson Rodrigues disse certa vez, “Deus mora nas coincidências”.

Até o momento, isso me basta.


Update: Acabei de me lembrar daquelas pessoas que tentam fazer com que os Jedi sejam reconhecidos como uma religião. Caso você seja alguém assim, sinta-se livre para usar este texto como parte da sua argumentação.


18 comentários:

pettoruti disse...

amém

Climão Tahiti disse...

E conseguiu o sabre?

Fabio Barreto disse...

Os designios da Força são misteriosos, Rob Gordyoda. Afinal, quem apagou a luz? ;)

Amanda Guerra disse...

Uhn, nunca quis ter um sabre de luz. Eu queria mesmo uma máquina do tempo. Mas misteriosamente ainda não achei nenhuma... Se eu achar, ligo pra vovó na hora! Tomara que 20 anos depois ainda funcione...

Natalia Máximo disse...

Tive uma discussão sobre o termo "Jedi" dia desses com a minha cunhada. Não faço ideia do motivo, mas eu sempre pensei que jedi fosse alguma coisa relacionada a linhagem do mestre Yoda. Aí ela me explicou qual que era dos jedi e eu achei mó sem graça, desculpae
E vocês, champclubbers, vão me fazer assistir a esses filmes de qualquer jeito, né?

Bia Nascimento disse...

Não sou fanática por Star Wars mas meu sonho de consumo da infância tb era um sabre.
Minha vó nunca foi de me dar muitos chocolates. Poréééémm ela segue como a mestra dos bolinhos de chuva. Acho muito digno tb.

Ana Savini disse...

Como assim "tentam fazer com que os Jedi sejam reconhecidos como uma religião"? Para mim está mais que reconhecido como minha religião.
Quando pequeno meu filho teve um sabre de luz de plástico que acendia e fazia o som. Início dos anos 2000, ainda não rolava um mais moderno. Hj eu e ele vimos um na Fnac do Dooku (não leia esse nome em voz alta hahahaha) que, se não dava para cortar alguém ao meio, estava muito próximo de fazer isso.
E sim, Nat... Você vai ter que assistir todos.

“Deus mora nas coincidências”.
Nelson Rodrigues. Foda. Essa cara sabia das coisas.

Alessandra Costa disse...

Que tristeza, até hoje não ganhei um sabre de luz, e isso me lembrou que eu preciso de um.

Varotto disse...

Tente enviar seu texto para o Conselho Jedi do Rio de Janeiro (www.jedirio.com.br).

Sim... Isso existe... :o'

De resto, texto duca! Principalmente as partes do mundo cheio de cunhados, e da cobertura em Cosruscant.

P.S.: Já estou com minha pré-venda da Saga completa em blu-ray garantida na Amazon (infelizmente, só para outubro).

Nelson disse...

Eu tmb sempre quis um sabre de luz (o azul! porque o vermelho é do Lado Negro), e fiquei super feliz quando meu sobrinho ganhou um no Natal. Faz até "uóóuuunnn". Fenomenal.

O único problema é que gasta pilha pra c*&%.

Anônimo disse...

Rob, que delícia ler esse seu texto. Me identifiquei com ele, com a diferença de que só pude vivenciar isso que vc relatou em 2007, na Expo Star Wars em SP. Eu comprei um sabre do Obi-Wan, com luz e som, inclusive treme quando se choca contra algo. Me senti o próprio Obi-wan.
Seu texto já apareceu na lista do CJSP (Conselho Jedi São Paulo), e o estou encaminhando para o Blades Saber Team, grupo que faz coreografias com sabres de luz (o qual faço parte). Se ter um sabre de plástico é um sonho, o meu eu realizei ao empunhar um 'de verdade', feito de policarbonato resistente e poder duelar com meus companheiros de 'equipe'. Existem ainda os SaBRes, de Brasília e mais um grupo de Sabres em MG (se tiver outros, me falhou a memória). Aparece qualquer dia pra ver um treino nosso e 'testar' um DE VERDADE. ;)
Beijão e obrigada pelo texto tão gostoso!

Melinda Bauer disse...

Deus certamente te sacaneou.....tu eras um guri muito maquiavélico...
abçs

Lara disse...

Acabado de ler este post vou (re)ver Star Wars. E ligar para a minha avó!

Felipe Goulart disse...

O máximo que conseguia arrancar da minha avó em dias de pagamento era um "lanchinho mirabel"!

Gilmar Gomes disse...

Imaginem só uma "avó" dizendo:

"Bom... Então fudeu!"

Unknown disse...

"Porque todo mundo sabe que o Luke Skywalker é meio bunda-mole até o começo de O Retorno de Jedi, quando ele entra encapuzado no palácio do Jabba."

Você definiu um conceito óbvio de Star Wars, mas que eu nunca tinha conseguido perceber. Sempre quis um sabre de luz (de verdade) Quanto ele enfim vier (virá, a força é forte em mim, tenho certeza) tratarei de arrumar uma manta também.

Mari Hauer disse...

Eu adoro os seus textos que vc fala da sua infância! Acho que é porque eu lembro da minha também... Não tão nerd como a sua - os meus sonhos de consumo sempre foram bonecas ou jogos de panelinhas - mas eu tive uma avó linda e querida e sempre conseguia arrancar coisas dela!
E sim, chocolate era uma coisa que ela SEMPRE me dava. Minha mãe virava as costas, eu sentava no sofá da casa da minha avó e comia uma caixa de Bis sozinha!
Eu ri muito e chorei de nostalgia com o seu texto... E acredito mesmo que Deus mora nas coincidências. Meu sonho sempre foi conhecer o Nelson Rodrigues em pessoa, se isso tivesse sido possível. Apesar que eu acho que talvez ele tenha me conhecido, rs...

Um beijo, texto animal!

Smaily Prado disse...

Texto sensacional!

Mas saiba que o sabre de luz e o manto são apenas apetrechos daquilo que é o mais sério:

O Domínio da Força!

Se você dominar a Força dentro de si, você acabará por encontrar seu Sabre de Luz e seu Manto no momento oportuno, quando você estiver preparado.

E lembre-se:
"Coincidências não existem." - Waldo Vieira

Falows!