21 de fevereiro de 2011

O Gênio do Quarto Andar

Leonardo Da Vinci. Wolfgang Amadeus Mozart. Pablo Picasso. Stephen Hawkins.

A humanidade sempre foi pródiga em gerar gênios, que atuavam nas mais diversas áreas. Pessoas à frente de seu tempo, que revolucionaram não apenas as ciências e as artes, como o modo de se pensar o mundo. Pessoas notáveis, que enxergavam o mundo de uma forma totalmente diferente dos seus semelhantes.

William Shakespeare. Auguste Rodin. Charles Chaplin. Friedrich Nietzsche.

Dedicados às mais diversas áreas – sejam ciências, sejam esculturas – são homens que se ergueram dos demais pelo seu intelecto, lógica e paixão. Transformaram tudo e todos ao seu redor, por meio de atos e idéias revolucionários, apresentando novos modos de pensar, entender e sentir o mundo que nos cerca.

Platão. Sigmund Freud. Michelangelo Buonarroti. John Lennon.

Contudo, são pessoas complicadas. A genialidade, aparentemente, tem seu preço: por se destacar dos demais, os gênios não conseguem se inserir normalmente no mundo, tendo hábitos e manias peculiares, que o diferem dos demais. Compreendem o mundo ao seu redor e, apesar (ou justamente por causa) disso optam em viver num mundo particular.

O Moleque do Quarto Andar.

Encontrei-me com ele em uma noite na semana passada, assim que entrei no hall do meu prédio.

Ele estava sentado no sofá, de frente para o elevador. Devia ter cerca de vinte anos e vestia camiseta e bermuda e tênis. No rosto, óculos azuis maiores que os All Star que usava nos pés.

No colo, um notebook.

Cruzei o hall do prédio em direção ao elevador dando boa noite. Calculei que ele estava esperando por alguém, e não pelo elevador. Isso porque assim que cruzei o hall, percebi que o elevador estava no Térreo, pronto para subir. E confesso que não era preciso ser nenhum gênio para perceber isso.

– Você vai subir?, perguntei, enquanto abria a porta do elevador.

Eu sabia que ele não usaria o elevador, mas mesmo assim questionei. Acredito que tenha sido por educação. Mas era quase uma pergunta retórica, era evidente que ele estava esperando por outra coisa – ou pessoa – ali embaixo.

– Vou.

Ele fechou o notebook no colo e caminhando em minha direção. Eu me controlei e não perguntei “por que diabos você não subiu antes se o elevador estava aqui?”. Ao contrário, resolvi ser um pouco mais eficiente, e continuei a ser gentil. Entrei no elevador ao lado dele, e como eu estava mais próximo ao painel, questionei:

– Para qual andar você vai?

– Quarto.

Apertei os botões do andar dele e do meu, o oitavo. Não me lembro se ele agradeceu. Dei um passo para o lado e o observei com calma. Agora, ele segurava o notebook ao lado do corpo e olhava fixamente à frente, em direção à porta.

Foi quando consegui ver melhor seus óculos. Enormes, estreitos e com um formato totalmente aerodinâmico, praticamente colado no rosto. A única diferença entre estes óculos e um par de óculos de natação era a ausência de um elástico para prender na cabeça. Era praticamente um óculos de natação com hastes. E de um azul que chegava a doer.

Automaticamente, dei um passo para trás. Algo em meu instinto me dizia que aquele notebook estava aberto em algum mapa do planeta Terra, provavelmente numa página de conquista intergaláctica. Tentei ver a tela, mas não consegui. Assim, instintivamente, dei um passo para trás, temendo que a qualquer minuto ele sacasse uma pistola sônica de seu bolso e gritasse “leve-me ao seu líder!”

Mas nada disso aconteceu. Pelo contrário, ele continuou parado, observando a porta do elevador.

Até que o elevador parou e as portas do elevador se abriram, deixando à vista outra porta, a do quarto andar.

Ele olhou para mim distraído e voltou-se novamente para a porta. Eu olhei para ele e para a porta. Ele olhou para o painel do elevador, para a porta, para mim e para a porta. Eu olhei para a porta e para ele. A porta olhou para nós dois com um ar de quem não tinha o dia inteiro para perder, deixando claro que “um de vocês dois tem que fazer alguma coisa”.

Era hora de alguém tomar a iniciativa. Olhei mais uma vez para a porta e para ele. Ele continuava inerte, esperando alguma acontecer por trás dos seus óculos de natação. Não, a iniciativa deveria ser minha. Estufei o peito e pigarreei.

– Hã... Tchau?

Tentei soar o mais casual possível, dando a entender que aquilo era absolutamente normal não apenas na minha vida, mas na vida de qualquer pessoa que usasse um elevador. Eu não queria causar constrangimentos. Minha preocupação, contudo era desnecessária. Ele apenas olhou novamente para mim e disse:

– Ah é... Aqui é o quarto andar, certo?

– Bem... Você vai para o quarto andar e eu vou para o oitavo... Como estávamos no Térreo e o elevador subiu, acredito que a primeira parada seja no quarto andar mesmo.

– Hummm – ele resmungou, analisando a situação. Aparentemente ainda estava não totalmente convencido.

– Além disso – continuei – tem essa placa com o número quatro aí na porta. Não deve ser por acaso. Olhe, eu acho que o quarto andar é aqui mesmo.

– É. Creio que você tenha razão. Boa noite.

Respondi boa noite e o observei sair do elevador. Segundos depois, estava entrando no meu apartamento.

Gênios...

Cada um deles revolucionou o mundo de alguma forma, destacando-se em diferentes áreas de atuação. Existiram artistas, existiriam cientistas. E existe o moleque do quarto andar, um ser humano ainda totalmente incompreendido, mas que, em alguns séculos, seu trabalho será famoso por ter revolucionado a forma de todos os elevadores funcionarem. Um ser humano notável.

Isso, claro, se ele for um ser humano.

Ainda não estou totalmente convencido disso.






Nota: Os leitores do Chronicles que se lembram do post Deus e o Apagão estão convidados a ler Dilúvio - Parte II, espécie de sequência não-oficial do texto e postada às pressas na sexta-feira, sobre as chuvas de São Paulo.

5 comentários:

Hydrachan disse...

Por algum motivo estranho e bizarro, esse moleque me lembrou o filho do demônio, que, se não me engano, mora no mesmo andar... o.o
Seu prédio é cheio de surpresas! XD

Isobel disse...

Ai Deus, sempre me fazendo rir na hora do almoço, muito bom!

Anônimo disse...

Ele deve se comunicar bem online.

Anônimo disse...

E eu achando q o gênio era vc. Imagina a minha distância desses seres iluminados...

Varotto disse...

Ele deve ter ficado muito tempo na portaria ligado e a bateria cérebro dele estava muito baixa.

O mundo real é supervalorizado...