5 de setembro de 2008

O Circo Chegou à Cidade

Há muito tempo atrás, eu falei de um botequim que fica na frente da redação, e que conseguia oferecer o pior atendimento da Zona Oeste de São Paulo. E, com o meu novo hábito de só comprar cigarros soltos – a quem possa interessar, estou mantendo a média de 5 ou 6 por dia, antes de desferir o golpe final no vício – me recuso a ir até este boteco, por uma questão de matemática: não seria lógico eu esperar quinze minutos para ser atendido e comprar algo que eu consumiria em cinco minutos.

Com isso, minhas opções foram restritas a uma: o boteco boca de porco, que fica uns dez metros na frente. Na verdade, eu procurei por outra alternativa durante alguns dias, mas 1) a padaria aqui perto não vende cigarro solto, e 2) o atendimento do Frans Café consegue ser pior que o do primeiro boteco. Ou seja, não me sobraram muitas opções.

Antes de continuar, quero deixar claro que a escolha não foi fácil. O boteco é boca de porco até mesmo para os meus padrões – vale lembrar que, com 16 anos, não era difícil eu e mais dois amigos beber pinga ao lado de pedreiros e guardas-noturnos nos botequins de Moema. Ou seja, eu não tenho muita frescura com esse tipo de coisa. Mas esse boteco abusa do direito de ser nojento. É daqueles bares em que as luzes ficam apagadas boa parte do dia, o chão dá sempre a impressão de estar molhado e o balcão aparente não ser limpo desde a Copa de 70 - e ainda é mais limpo que os torresmos, pedaços de costela e coxas de frango que ficam expostos ali, ao Sol.

Um dia, a vontade de fumar apertou, e eu olhei para o botequim caindo aos pedaços, e apliquei a teoria desenvolvida por Graciliano Ramos no destino na cachorra Baleia em Vidas Secas: “não tem tu, vai tu mesmo”. Ou seja, já faz algumas semanas que eu entro ali umas três vezes por dia para comprar um cigarro solto. No começo, foi difícil para os atendentes entenderem o que eu queria, mas, agora, é só eu colocar os pés lá dentro e a mulher do caixa já separa um Marlboro para mim.

Ou, ao menos, separava.

Parece que o bar mudou de dono e o novo proprietário escolheu os membros de sua nova equipe provavelmente pesquisando as sobras de algum circo. Na verdade, o estabelecimento já tinha uma tendência para isso. Um dos funcionários do turno da manhã é a coisa mais próxima de um lobisomem que eu já vi, e ele aparentemente não faz nada, a não ser andar pelo bar carregando um engradado de cerveja vazio. Ele só faz isso, já há uns cinco anos. Enfim, agora, parece que a bizarrice foi adotada oficialmente como estratégia comercial lá dentro. E isso vale para os funcionários antigos, que tiveram que aderir à nova filosofia da empresa.

Outro dia entrei no bar e pedi:

– Me dá um Marlboro solto?

A mulher do caixa pegou o cigarro e me deu. Ela ficou olhando para mim. Eu acendi e perguntei:

– Quanto é?

– O seu foi o que mesmo?

Olhei ao redor. Eu era o único cliente do bar.

– Como assim?, respondi.

– Qual foi seu pedido?

– Meu pedido foi o cigarro. Aquele que você me deu agora, sabe?

– Foi só isso?

– Hum... Vamos ver. Eu acabei de entrar aqui. Você me viu entrando. Eu me encostei no balcão, pedi um cigarro solto. Você se virou de costas, pegou o cigarro, voltou a ficar de frente para mim. Me entregou o cigarro. Eu acendi e perguntei quanto eu devo. Hum... É. Acho que foi só isso.

– Trinta centavos.

Paguei e saí de lá. Achei, sinceramente, que ela não estava num bom dia, só isso. Ledo engano.

Hoje a coisa foi pior.

Pedi um cigarro, paguei e pedi para ela me emprestar o isqueiro. Ela revirou os bolsos e colocou um abridor de garrafas no balcão e foi lá para a cozinha. Eu fiquei imóvel, sem saber o que fazer. Olhei o abridor de garrafas; o abridor de garrafas olhou para mim, prestes a dizer que aquilo não era culpa dele; o cigarro olhou para o abridor de garrafa, depois para mim e começou a rir. E eu fiquei ali com o cigarro apagado na mão. Mas ela voltou:

– Pois não?

Achei melhor ignorar o fato de que, aparentemente, ela estava acreditando que eu havia acabado de entrar no bar. Pelo jeito, a cada dez minutos o cérebro dela dispara um comando de reinicialização - e, pior, não salva nenhum documento que estava aberto. Resolvi não explicar a ela que já estava no bar e fui direto ao ponto:

– Você me empresta o fogo?, perguntei, mostrando o cigarro.

Ela olhou fixamente para mim. Seus olhos brilharam. Aparentemente, ela havia me reconhecido.

– Eu não te emprestei o isqueiro agora mesmo?

– Não. Você me emprestou o abridor de garrafa. Eu agradeço, mas o cigarro já estava aberto. Eu queria mesmo era acender.

– Ah. Espera.

Virou as costas e voltou para a cozinha. O abridor de garrafas deu de ombros e fez uma cara de “não me pergunte”. De onde eu estava, pude vê-la conversando com o lobisomem lá dentro. Comecei a ficar com medo. Eles conversaram durante alguns segundos. Pensei em ir embora e conseguir um fósforo em outro lugar, mas ela voltou antes que eu pudesse sair e arremessou uma caixa de fósforos em mim. Isso não é erro de digitação. Ela não me entregou os fósforos, ela arremessou em mim – o que me faz estar, até agora, agradecendo o fato de ela ter sido mais gentil quando me entregou o abridor de garrafas. Acendi o cigarro e saí dali.

Mas, agora, à noite, a coisa é pior. Isso porque um dos novos contratados é um “it” negro, de uns 20 anos. Digo “it” porque ele não é nem “he” ou “she”. Vejam bem, ele não é gay. Ele (ou ela) é apenas não classificável. Ele (a) já me atendeu umas quatro vezes, mas ainda não sei qual o seu sexo. Mas o genial é o estilo de atendimento do it, que consiste, literalmente, na técnica hit & run. Ele (a) usa táticas de guerrilha, aparecendo e sumindo em segundos. Ontem, entrei lá com um amigo e o it veio me atender.

– Pois não?

– Eu queria uma Coca Zero e ele quer um café. E eu quero um Marlboro solto.

– Uma Coca Zero e um Marlboro solto. E você quer um café. Com leite?

– Puro, meu amigo respondeu.

– Uma Coca Zero e um Marlboro solto. E um café puro. Só um minuto.
E, assim, que acabou de dizer isso, virou as costas e sumiu dentro do bar. Sumiu. Desapareceu totalmente. Foi erradicado (a) do bar. Tive que esperar outra atendente chegar e repetir o pedido. Acabei a Coca, meu amigo acabou o café, e o it ainda não havia retornado. É a quarta vez que ele (a) me atende, é a quarta vez que ele (a) faz isso.

Este boteco está me levando a crer que parar de fumar pode ter sido a atitude mais razoável que eu tomei na minha vida. Mas, enquanto ainda preciso freqüentá-lo, deixo vocês com o Top 5 Coisas mais nojentas vendidas lá dentro:

1. Costela de Boi
– fica exposta numa travessa, envolva num líquido (acredito que seja óleo) amarelo, curtindo ao Sol.

2. Coxa de Frango
– consegue ser mais nojenta que a costela de boi, pois, além do óleo, contém rodelas de cebola que estão ali desde a Idade Média, se fundindo com a bandeja. Mas acaba em segundo lugar porque fica na sombra.

3. Torresmo
– na verdade, nem é tão nojento. Mas como a gordura da costela de boi fica pingando nele, seu desempenho na escala de escatologia sobre bastante.

4. Carne assada
– é aquela carne que tem uma cenoura enfiada no meio, no melhor estilo Mário Gomes de ser (vocês conhecem a lenda, certo?). Mas a aparência dela indica que o boi sofria de uma quatro doenças (uma delas já estava em estágio terminal) antes de ir para o prato.

5. Costela de Boi
– sim, ela entra duas vezes na lista.

29 comentários:

Anônimo disse...

aqui em ituiutaba o que mais tem é desses botequinhos..um aqui perto de casa chama 'pezao'
aahuhauhuauha

Kel Sodre disse...

"Mário Gomes de ser (vocês conhecem a lenda, certo?)"

Não e estou muito curiosa agora. Pode me indicar uma bibliografia pra isso?

"Você me emprestou o abridor de garrafa. Eu agradeço, mas o cigarro já estava aberto. Eu queria mesmo era acender."

Rob, você REALMENTE fala essas coisas pras pessoas? Seu raciocínio realmente tem esses estalos na hora, ali, na situação???
Cara, você é meu HERÓI!!! Eu sempre fico pensando, depois da situação, em coisas legais que eu poderia ter dito. Ver alguém que consegue desencavá-las na hora necessária é uma glória! Me deixa inclusive otimista, pensando que, de repentemente, com a prática, eu vou melhorando...

Lari Bohnenberger disse...

SOCORRO!!!!!!!!!!
Mas o lado positivo é que talvez o contato diário com este 'circo' te faça vencer o vício e parar de fumar de vez mais rapidamente!
Bjs!

Barlavento disse...

Te aconselho a não experimentar nada do bar. Você já tá tentando parar de fumar, não quer se viciar em outra droga né?

hihihihihihihihihi...
Ah, Lázaro riu muito lendo o post e deu graças a Deus por você não ter colocado ATUM no seu TOP 5. Sim, ele é obcecado por atum.
Beijomeliga.

Unknown disse...

uhasuahsuasuaashusa
fazia muito tempo que eu nao vinha aqui
vc continua sendo engraçado

www.meusquadrinhos.blogspot.com

MaxReinert disse...

uhasuahsuasuaashusa
fazia muito tempo que eu nao vinha aqui
vc continua sendo engraçado [2]


hauhauhauaa... mas acho que ela te ganhou nessa!!!

Enfim, sobre o post:
Isso aí não parece o circo não... parece mais o elenco do filme do Zé do Caixão!

P! disse...

Você já pensou na possibilidade desse it ser, tipo assim, um fantasma?
Sei lá, pra sumir desse jeito só pode.

Paula disse...

Humm, aqui em Minas falamos cigarro picado. Parei de fumar há oito anos, sei do que você está falando. Mas é uma decisão acertadíssima! Quanto ao boteco, que por aqui costumamos chamar de de copo sujo, por si só é uma coisa, quando junta os atendentes, fica bem melhor!

Gilmar Gomes disse...

não conheço a lenda do Mário Gomes, e a preguiça não me permite ir no google pesquisar...

cara, esse boteco é quase um luxo perto de alguns aqui da minha cidade.
e... prefiro não me estender nessas explicações, quem sabe um dia eu faça um post.

Anônimo disse...

A quem possa interessar (ou seja, fãs de Mário Gomes, apreciadores de legumes e curiosos em geral):

http://www.google.com/search?q=%2B%22m%C3%A1rio+gomes%22+%2B%22cenoura%22&sourceid=navclient-ff&ie=UTF-8&rlz=1B2DVFA_ptBR224BR233

Tyler Bazz disse...

Naaaaaada nesse post (nem mesmo a cenoura do Mário Gomes) ganhou da interação Rob/cigarro/abridor..
aUHAuhaUHAuhaUHAhuaUHAuhaHUAuhaUHA

E eu tava sentindo falta de um Top5 decente, já... ¬¬


o/

Thiago Dalleck disse...

Huahuahuahua, na verdade não tem nada de anormal lá, você tá entrando em abstinência por causa do cigarro e ficando esquizofrênico que nem o Tyler no dia da churrascaria =D

PS.: Fiz questão de baixar e assistir o filme Alta Fidelidade essa semana. Tudo se encaixou, inclusive a foto do profile, hehe.

Anônimo disse...

ao dizer que pediu "fogo" e a bactéria foi pra dentro do bar conversar com o lobisomem, imediatamente imaginei o personagem seguinte: mula sem cabeça.

me enganei.

mas o arremesso da caixa de fósforo supriu a necessidade de bizarrices.
(sahuahsuas)

Varotto disse...

Pensei sobre o it a mesma coisa que a Pâmela. O cara pode ser uma aparição que só você vê (tipo Bruce Willis no sexto sentido).

DICA: confira se não houve no local um incêndio em tempos passados, no qual morreu um eunuco, ou se o bar foi construído em cima de um cemitério indígena.

R. O. disse...

Continuando a linha de raciocínio do Varotto: Poderia ser também como no filme "Os Outros", onde na verdade você que seria para "eles", a aberração em questão: dialogando com o abridor de latas ou esperando por um garçon de outro mundo para trazer sua (aqui se conclui quem é a aberração)coca zero.

Unknown disse...

o.0 um sinal divino (ou não divino sei lá) pra vc parar de fumar...

agora com certeza o papo com o abridor, é meio crise de abstinencia misturado com intoxicação pelo ar, pq vc não entrou em detalhes sobre o banheiro, mas imagino do nipe dos banheiros aqui do centro do Rio...

ah e aqui falamos varejo (cigarro varejo)

Anônimo disse...

Dalleck de onde é que o cê baixou o filme, meu caro?

RockerZ disse...

pooo Rob..
vai falar que vc não sabe acender cigarro com um abridor!? ¬¬

esperava mais de voce =/

Varotto disse...

Numa situação dessas, sempre se pergunte: o que o McGyver faria?

Barlavento disse...

Numa situação dessas [2], sempre se pergunte: o que o Chuck Norris faria?

Tyler Bazz disse...

Numa situação dessas [3], sempre se pergunte: o que o Brian Boitano faria?

Thiago Apenas disse...

hauahhahuhuahhauahuaa
Pior ue aqui perto de casa dá pra comprar até cerveja " a retalho" como dizem.
O pior que eu vi(até agora) foi um vendedor de cachorro quente que vi na praia.O cara estava sem camisa(untado de alguma coisa brilhosa) e coçando as costas com a faca de cortar o pão.o0

Deise Rocha disse...

Naaaaaada nesse post ganhou da interação Rob/cigarro/abridor... [2]

Nem acredito q vc vai me fazer fazer pesquisas no google... pq eu nem sei qm e o tal mário e mto menos seu casinho com a cenourinha...

ki droga!!!!!

mas como curiosidade pode matar uma mulher do coração...

lá vamos nós...


->a mulher q sempre te atende deve está cansada, coitada - mesmo q seja todos os dias. Ou ela é fugitiva de um hospício. Já pensou em pesquisar???
eu pesquisaria...

Anônimo disse...

Não acredito que tanta gente desconhece a famosa lenda sobre a habilidade de Mario Gomes camuflar a cenoura! Que gente desinformada sobre assuntos essenciais! E Rob, parabéns pelo post hilário. É incrível a sua capacidade de se rodear de gente bizarra.

Marcio Sarge disse...

Pode parecer um péssimo conselho, mas parece que tentar parar de fumar usando a tática do cigarro solto foi um erro.
O certo é não parar de fumar(desculpe o conselho) assim compraria um maço de vez, assim levaria ao menos uns 4 dias(?) pra voltar nesse parque, quero dizer bar.

Diego Moretto disse...

HAHAHAHAHAHAHAHAAHAHA. Me lembra eu e meus amigos em um desses na praia. "Opa blz? onde posso ir pra comprar vinho?" .."pode comprar aqui mesmo, é sÓ falar com o Seu Jorge..." "ha maneiro, onde ele ta?" "aqui mesmo, sou eu.." "¬¬"

Ri demais com o texto cara. Abração!

Anônimo disse...

Mas é exatamente isso que faz com que as comidas de boteco sejam ótimas! (rs)

Anônimo disse...

Quando vc não sebe se eh Ele ou Ela, vc diz Êla! =D

rsrs


[e pára de fumar!!!]

Ana Savini disse...

kkkkkkkkkkkkk!!!
Valeu por deixar o meu péssimo dia de enferma mais feliz!
Dei muita risada c/ o lance do Mário Gomes! Essa é mto antiga!